Esta semana invertemos a ordem dos posts. Porque hoje é o Dia do Amigo, em vez da coluna O que você está lendo?, decidimos postar duas mini entrevistas temáticas com Francisco Azevedo e Maurício Gomyde. Na obra desses dois autores, o tema da amizade é central. Amanhã voltaremos com o Lendo.
Não ligamos muito para essas datas, cuja finalidade é o comércio. No nosso caso, não vendemos produtos, mas algo intangível, direitos literários, e por isso não temos muito interesse na comemoração do Dia do Amigo em si. Mas o tema dá uma boa pauta e, para nós e nossos seguidores, rendeu duas reflexões muito lindas sobre a amizade na vida e na literatura.
VB&M: Sua obra tem, inclusive no próximo romance já finalizado, A ROUPA DO CORPO, várias amizades fortes e encantadoras entre homens e mulheres, uma relação tida como difícil, quase impossível, na mentalidade tradicional. Para você, a amizade entre os sexos, por mais rara, rende mais literariamente? Qual a importância das amizades na sua vida e na sua obra? Você é um homem de muitos ou poucos amigos?
FA: Sempre digo que amigo é quem ama, da mesma forma que amante é quem ama – o verbo é o mesmo. Talvez por isso, haja tantos enganos e desencontros na amizade entre homens e mulheres. Para tornar a equação ainda mais complexa, acredito que o amor pode morrer ou até se transformar em ódio, mas diminuir, jamais. E costumo brincar: você já ouviu alguém afirmar que amava a Deus e hoje gosta dele? Não faria sentido. Assim, a meu ver, quem diz que amou e passou a gostar, nunca amou. Acontece que, apesar de todos esses riscos, sempre tive mais amigas que amigos, e isto se reflete em minha obra, porque, por mais rara que seja, a amizade entre os sexos é terreno que conheço, sei onde piso. As amizades femininas são mais profundas, generosas e, portanto, dignas de confiança. E mais: por saberem dosar instinto, razão e emoção, elas são capazes de análises mais precisas, respostas mais acuradas. A troca é infinitamente mais rica. Quanto à importância dessas amizades para a minha literatura, posso citar dois exemplos sem precisar ir longe: minha mulher Edvane, que, com sua força e sensibilidade, é também minha melhor amiga e minha primeira leitora_ estamos há 39 anos juntos. E Luciana, que me descobriu, acreditou em mim lá no início e, além de agente literária, tem sido minha editora desde O ARROZ DE PALMA. Depois de ouvir às duas, outras opiniões sobre o que escrevo já não me interessam tanto. Questão de confiança, de amor, de amizade, itens que, na minha vida, cabem nos dedos das mãos.
VB&M: No romance SURPREEDENTE!, a amizade é elemento central da narrativa e o apoio dos grandes amigos é crucial para que o protagonista Pedro supere o maior desafio de sua vida. Qual a importância das relações de amizade para você, em sua vida pessoal e em sua literatura?
MG: Uma coisa que a vida me ensinou é que amizade não surge por um ato de vontade. Não acho que é possível fazer ou desfazer uma amizade por decisão racional. A amizade é ou não é, sendo um estado absolutamente instantâneo. Quando nos damos conta, um amigo já é; e quando pensamos em desfazer uma amizade, esta já foi desfeita. Na minha vida, essa força da amizade é muito presente. Por consequência natural, isso acaba se refletindo na minha literatura. Em todas as minhas histórias, sem exceção, um amigo do protagonista tem participação fundamental. Especificamente no SURPREENDENTE!, eu mesmo fui surpreendido pelo rumo que a história tomou. Inicialmente, achei que seria um livro sobre cinema; em seguida, não mais sobre cinema, mas, sim, sobre as consequências da cegueira para um realizador do cinema; por fim, descobri tratar-se de uma história sobre amizade, em sua forma mais pura. Esta foi a razão de toda a jornada, o imenso poder dos amigos na vida das pessoas. A frase-chave do livro, “Se você passar toda a vida sem fazer algo excepcional por alguém, viver não terá valido a pena”, retrata bem esse espírito.