Na coluna de entrevistas do blog da VB&M, agora com novo nome, o artista plástico e autor Odyr Conversa com (A)gente sobre sua fenomenal adaptação gráfica de A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, de George Orwell, e seu próximo trabalho, CONTOS DA SELVA, a partir de duas histórias curtas do clássico uruguaio Horácio Quiroga. Companhia das Letras publicou A REVOLUÇÃO DOS BICHOS de Odyr em 2018 e lançará a parceria com Quiroga em 2022. Enquanto isso, o Orwell de Odyr vai ganhando mundo por algumas das melhores editoras internacionais nos EUA, Itália, Espanha e Reino Unido; ainda a sair na França, Polônia, Portugal, Holanda, Romênia, Grécia e Turquia. Os dois livros têm em comum a extraordinária pintura que Odyr faz das espécies animais.
VB&M: O que o levou a adaptar para novela gráfica A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, de George Orwell, na edição de Quadrinhos na Cia? A pertinência política da história numa época de fragilização da democracia funcionou como motivação durante o processo de trabalho?
O: Não posso reivindicar nenhum mérito na relevância da adaptação, foi um convite da Companhia, que tinha os direitos da obra do Orwell. Também, os tempos não eram tão sinistros quando comecei a trabalhar no livro, em 2016_ Bolsonaro ainda nem era presidente_, mas claro que as circunstâncias que o tornaram possível vêm de longa data. Talvez melhor assim, pois minha percepção do livro não foi tão afetada pela realidade, mas por minha reação emocional à história. Não tenho, na verdade, um desejo de responder diretamente à realidade com meu trabalho, admiro os colegas que o fazem, mas não sinto que é o meu chamado. Naquela divisão (nunca absoluta, claro) entre artistas que denunciam os horrores do mundo e os que mostram a beleza que existe nele, estou mais para o segundo grupo. Penso que precisamos dos dois.
VB&M: A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, de Orwell e Odyr, vem tendo excepcional acolhida internacional, com elogios do New York Times à edição americana e lançamentos marcados nos principais territórios europeus. Essa experiência tem algum significado especial para você?
O: Ver meu nome escrito no New York Times certamente foi uma experiência surreal. O livro está de fato indo além do que poderia imaginar, em países que geralmente não associamos a uma cultura de quadrinhos: Romênia, Polônia, Holanda.. mas o mérito aí, claro, é do Orwell, que é um nome mundial. Em particular estou feliz agora que está indo para a França, um lugar tão especial para a cultura dos quadrinhos.
VB&M: Depois de A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, você selecionou dois contos do mestre uruguaio Horacio Quiroga (1878-1937) para adaptação gráfica, “El León” e “La patria”, que a Companhia das Letras lançará em 2022. Em comum com o livro de Orwell, histórias de animais oferecendo uma visão política do mundo e da civilização. O que mais o atrai em Quiroga e o que você tinha em mente quando se jogou sobre esse projeto?
O: Lembro claramente quando comecei esse projeto. Aí já estávamos no segundo turno da eleição e estava bastante claro que Bolsonaro tinha chances, o horror era muito mais palpável. Mais do que responder à realidade, eu queria fugir dela, queria fazer algo que trouxesse alegria, primeiro para mim, depois para os leitores. Estava me sentindo oprimido pelo compreensível mas paralisante pessimismo e visão apocalíptica que dominava (e ainda domina) a cultura. Sou leitor do Quiroga de longa data, mas nesse dia encontrei em um sebo uma edição dos Contos Completos dele. Quando abri o livro ao acaso e vi uma história que começava com “uma cidade no deserto onde todos eram felizes”, pensei: é isso que quero fazer. Mas, claro, Quiroga é enorme e tem muito a oferecer e, de fato, tem questões relevantes nesses contos fantásticos dele.
VB&M: Como você explica o gosto e o brilho genial da sua criação gráfica de animais?
O: Um outro motivo que me motivou a ilustrar o Quiroga foi a possibilidade de fazer outro livro com animais, tinha sido uma experiência muito positiva para mim com a REVOLUÇÃO DOS BICHOS. E inesperada, pois não era algo que fizesse parte do meu vocabulário visual desde sempre. A pintura, que é relativamente recente em minha vida, mudou minha visão de mundo. Sinto que ela traz um respeito e um assombro renovados pelo mundo ao nosso redor e pela natureza. Enquanto o desenho é mais racional, é pensamento, a pintura envolve uma apreensão mais sensorial da luz, das cores e texturas do mundo. E você começa a ver grande beleza e complexidade mesmo no animal mais comum, numa árvore, numa nuvem.
VB&M: Qual foi o impacto da pandemia e da crise social no seu processo criativo nos últimos meses? O isolamento alterou sua rotina de artista? Como você tem preenchido seus dias?
O: O isolamento já era minha rotina, era perfeitamente normal pra mim não falar com ninguém por semanas, mas fui impactado pelo clima emocional, como todos. Não tem como evitar, é o sentimento do mundo, a sensação de que são tempos excepcionais. Estava entre projetos quando a pandemia começou, então não tinha o conforto da prática diária para me sustentar. Nos primeiros meses não consegui fazer nada. Só li, obsessivamente. Notícias e livros para esquecer das notícias. Aos poucos, algum senso de normalidade retorna e, lenta e laboriosamente, estou conseguindo reconstruir minha rotina e minha prática de trabalho. Agora faz uns dois meses que estou em um projeto novo (sem animais dessa vez) e tenho de volta a sensação de ter um motivo para acordar e um lugar para ir onde posso esquecer por algumas horas em que país vivo, o que acontece, quem é o presidente, em que estágio da pandemia e da destruição da democracia nos encontramos. Uma benção.