Conversam Com (A) Gente Mariana Magalhães e Márcia Noleto, psicólogas e autoras de LUTOS, original ainda inédito composto por 18 emocionantes relatos de processos de luto os mais diversos. Márcia perdeu a jovem filha num acidente de helicóptero. Mariana perdeu vários embriões até enfrentar o fato de que não poderia ser mãe. Elas relatam como suas perdas atraíram uma à outra pela necessidade de compartilhar a dor e como se aperceberam de que um livro de pessoas expondo seus lutos poderia ajudar a tantos leitores nos dias de hoje e também aos próprios autores dos diferentes testemunhos. Assim, elas saíram em busca – para falar de seus lutos – de personalidades como Gilberto Gil, que perdeu um filho de 19 anos; Mônica Benício, viúva de Marielle Franco; Margareth Dalcomo, que perdeu inúmeros pacientes para a Covid; Lucinha Araújo, que viu o filho Cazuza ser levado pela Aids; Chico Alencar, que conta como vem atravessando um luto político imposto pelos tempos sombrios; entre muitos outros personagens, figuras públicas e anônimas. Nesta entrevista, elas compartilham como se deu a construção desse mosaico da dor da perda e os aprendizados que fizeram no caminho; comentam a necessidade de se falar sobre essa dor para que seja possível superá-la e defendem a importância de se ampliar o conceito de luto para que se possa elaborá-lo de maneira mais ampla: “O luto não pode ser reduzido à noção da perda de alguém para a morte. Essa perda envolve diferentes contextos”.
VB&M: LUTOS nasceu de experiências de luto de vocês duas. Escrever sobre o tema as ajudou a lidar com as próprias dores?
MM: Não foi simples escrever sobre o tema. A cada depoimento entregue ou entrevista feita, esbarrávamos com nossas dores. Demoramos muito tempo para escrever os nossos próprios depoimentos. Algumas vezes, nos perguntamos se daríamos conta de terminá-los. Também pudemos compreender melhor o que acontecia com os convidados que aceitavam participar e que logo em seguida desistiam. Mas entendemos que escutar as experiências de outras pessoas nos dava a possibilidade de reassimilar o que nos acontecera e perceber que todos, sem exceção, passam por dificuldades na vida. Nós tivemos a chance de receber informações que nos serviram de matéria prima para reflexões profundas. Com certeza nos ajudou a entrar em contato com as nossas próprias dores.
VB&M: Como se deu o processo de concepção e escrita do livro?
MM: O processo foi se edificando com o tempo. Não fizemos um planejamento de como seria essa construção, que foi aos poucos ganhando corpo. Ficamos impressionadas pela facilidade que tivemos em acessar pessoas públicas e pelo interesse delas em fazer parte do projeto. Aliás, nos surpreendemos pelo fato de muitas nos agradecerem por terem conseguido abrir seus corações. Até que um dia recebemos uma ligação de Ancelmo Góis. Ele soube do livro pela Margareth Dalcolmo e se interessou em colocar uma nota em sua coluna no jornal. Sabíamos da beleza do material que tínhamos em mãos, mas o reconhecimento de outras pessoas foi um incentivo para tocar o projeto adiante.
VB&M: O livro traz relatos de diversas pessoas, conhecidas ou não, sobre suas próprias dores diante de distintos tipos de perda. Como vocês fizeram essa seleção?
MM: Ao mesmo tempo em que pensávamos sobre algumas experiências de luto que gostaríamos de escutar, lembrávamos de histórias conhecidas e nos interrogávamos como o enlutado tinha enfrentado tal acontecimento. Afinal, é disso que trata esse projeto: é um registro de experiências e não um livro de histórias de luto. Foi a partir desses dois caminhos que fizemos a seleção dos convidados. E o resultado foi maravilhoso.
VB&M: Por que vocês ampliaram a noção tradicional de luto, que se aplica à perda de entes queridos ou de relações pessoais, para incluir dores coletivas e outras menos tratadas como a decorrente da perda de um animal doméstico?
MM: O luto não pode ser reduzido à noção da perda de alguém para a morte. Essa perda envolve diferentes contextos. Mas, comumente, ficamos presos às nossas próprias experiências e não ampliamos o olhar para a dor do outro. Ampliar a noção de luto faz parte de uma evolução no processo de se lidar com lutos individuais. Por isso era necessária essa ampliação, voltar o olhar para a pluralidade e a diversidade das dores e dos lutos.
VB&M: Vocês decidiram não usar de seu lugar de fala como psicólogas para tratar do tema no livro. Por quê?
MM: Porque não tínhamos a intenção de desenvolver um estudo sobre esse tema, nem de realizar nenhum tipo de análise sobre os depoimentos. A relação estava horizontalizada. Nossa intenção era dar voz àqueles que quisessem falar sobre o assunto. Nós também tínhamos os nossos lutos e percebemos o quanto as nossas trocas eram importantes para o nosso processo de elaboração. Acreditávamos, então, que o simples compartilhamento das experiências podia produzir bons efeitos sobre as dores de um enlutado.
VB&M: Quando viveram seus lutos, vocês leram muita coisa sobre o assunto?
MM: Sem dúvida! Leituras sobre experiências de luto nos traziam algum tipo de conforto, fossem leituras acadêmicas ou relatos de pessoas que haviam passado por situações similares às nossas. Também foi inevitável levar o tema para o nosso trabalho. Seja no consultório, em sala de aula, em palestras ou através de pesquisas que realizamos com alunos, o tema faz parte de nossas trajetórias.
