Gustavo Faraon, publisher e cofundador da Dublinense, comenta a trajetória da editora ao longo de seus onze anos de existência, a luta para se firmar no mercado como uma editora essencialmente brasileira e os desafios impostos à cadeia do livro pelas crises por que esta vem passando. Para ele, as profundas mudanças impostas ao mercado podem ser positivas e acredita: a pandemia fez bem aos leitores.
VB&M: Ao longo desses onze anos de existência da Dublinense, quais os principais aprendizados e os maiores desafios? E quais as grandes alegrias?
GF: Talvez o maior aprendizado seja NUNCA deixar-se levar pela vã esperança de que exista alguma fórmula a ser seguida ou que a estratégia que deu certo para um livro possa ser replicada para outro. Cada livro é um produto absolutamente único e deve ser tratado desta maneira. Sobre o maior desafio, possivelmente tenha sido um bastante específico nos primeiros anos da empresa: sermos reconhecidos como uma editora BRASILEIRA. Pode parecer um exagero, mas não se imagina quantas portas nos eram fechadas nos primeiros tempos sob a alegação de que o que fazíamos era “muito regional”. Mesmo que o primeiro livro que publicamos na nossa história já tenha sido finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, por exemplo. É meio inacreditável. Hoje, não sofremos mais com isso. Acho que o desafio atual tem mais a ver com o desarranjo completo e brutal pelo qual passa a cadeia do livro no Brasil. Das grandes alegrias, são muitas e muito diferentes. Pessoalmente, fico muito feliz quando uma aposta arriscada se mostra acertada, quando conseguimos dar visibilidade a alguns temas que nos são caros através da boa literatura. Também vibro muito com cada livro de autor brasileiro que conseguimos vender os direitos e levar para outros mercados, outras línguas, outras culturas. Mas talvez a maior de todas seja a respeitabilidade que a editora conquistou junto aos leitores, ver gente que compra TUDO que publicamos, tudo mesmo, que compra até lançamento às cegas, sem saber qual o título, só na confiança no trabalho do editor, isso é demais e emocionante.
VB&M: O catálogo da editora mudou bastante nos últimos anos, aumentando a sua popularidade entre os leitores. Qual foi a ideia mestra dessa reformulação?
GF: Sempre soubemos que precisaríamos experimentar muito, errar, tentar. E nos permitimos isso, de fato, nos primeiros anos da editora. Acho que o que mudou foi que tivemos maior clareza do nosso propósito, do que queremos, do que sabemos fazer, do que gostamos de publicar. Acho que tem a ver também com a maturidade enquanto editor, né?
VB&M: Como vocês estão enfrentando a crise imposta pelo Covid19 sobre as crises anteriores por que já passava o mercado editorial?
GF: A Dublinense é uma editora pequena e, portanto, ágil. Rapidamente a gente repensou o ano, acelerou projetos que estavam caminhando mais lentamente, travou outros que perderam o sentido no novo contexto, reviu as prioridades. Montamos um e-commerce muito mais robusto em tempo recorde, passamos a colocar uma energia enorme nos esforços de comunicação direta com nossos leitores, entre outras coisas. A editora também já operava em boa medida de maneira remota (o escritório é em Porto Alegre, o estoque é em Osasco, eu vivo em São Paulo, outro colaborador vive no litoral do RS, etc), então a questão do distanciamento jamais foi um problema em si. Agora, o efeito dessa pandemia sobre as demais crises que já atingiam o mercado eu acho que só vamos compreender a total extensão no próximo ano. O efeito imediato mais claro é uma busca incessante por canais alternativos de vendas, mas também uma mudança drástica nas políticas comerciais: ninguém está mais disposto – e nem tem a capacidade financeira para isso – a tomar tanto risco como se fazia até a eclosão das recuperações judiciais de Saraiva e Cultura, por exemplo, e agora, então, menos ainda.
VB&M: Qual a sua perspectiva para o livro e a leitura nos próximos anos?
GF: Eu sou uma pessoa meio pessimista, sempre acho que tudo vai ser um total desastre. Então quase fico preocupado com esse meu sentimento de agora de que as coisas vão MELHORAR para o livro e a leitura nos próximos anos. As crises agudas sempre forçam mudanças profundas, e acho que a cadeia do livro no Brasil há tempos precisa de uma mudança dessas. Acho que vai ser sofrido, mas depois vai ser bom. E tenho a sensação de que essa pandemia que forçou (quase) todo mundo a um isolamento radical também acabou gerando nos leitores uma relação mais próxima com os livros. Talvez não tenhamos cultivado novos leitores em número suficiente, mas tenho a sensação – baseada no mais puro achismo – de que nossos proporcionalmente poucos leitores saem dessa pandemia leitores melhores, mais frequentes, mais atentos, mais competentes, mais abertos aos livros não óbvios.