A NOVELA DO PEPE MUJICA

No Dia dos Pais, o sociólogo Emir Sader ganhou de presente de seu filho Miguel um exemplar de O PRESIDENTE E O SAPO, da uruguaia Carolina De Robertis. Lançamento de agosto da Dublinense, o livro conta como romance a vida do admirável e querido ex-presidente José Mujica. De imediato, Emir começou a leitura, que, emocionando-o profundamente, levou-o a escrever uma resenha-depoimento em que recorda momentos vividos com quem considera os três maiores políticos latino-americanos da virada do milênio – Evo Morales, Lula e Pepe Mujica. O professor não hesita em concluir: O PRESIDENTE E O SAPO “é uma leitura que nos enriquece humana e eticamente”.

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Todo grande período histórico produz grandes personagens. O grande período histórico que vive atualmente a America Latina produz grandes personagens.

Dentre todos eles, três se destacam, porque estão profundamente enraizados na história, nas condições de vida dos nossos povos e no caráter nacional de seus países. São eles Evo Morales, Lula e Pepe Mujica.

O primeiro é um líder indígena boliviano, líder cocaleiro, que soube captar e representar as identidades das populações originárias da Bolívia como ninguém. Me lembro de como, no dia da sua eleição como primeiro presidente indígena da Bolívia, ele ficou comemorando a vitória com sua gente, em Cochabamba. O vice Álvaro Garcia Linera teve que chamá-lo por telefone e reiterar que ele teria que ir a La Paz, fazer um pronunciamento como novo presidente boliviano, o primeiro indígena eleito presidente de um pais majoritariamente indígena, além de ser o primeiro eleito no primeiro turno. Lá foi Evo, fez um pronunciamento do hotel em que estávamos, saudou a todos, recebeu nossos abraços e voltou para Cochabamba.

Um líder que fez questão de continuar a se autoproclamar “líder cocaleiro”, para honrar sua trajetória e a luta de resistência da sua gente contra os bombardeios dos aviões norte-americanos, que pretendiam queimar as plantações de coca, para as populações originárias, um importante energético. Assistir a Evo tomando posse na cidade mais antiga das populações indígenas, em Tiwanaku, antes ainda da posse formal como presidente, foi emocionante pelo orgulho dele de expressar suas origens e identidade. (Cerimônia a que tive o privilégio de assistir ao lado do meu querido e saudoso amigo Eduardo Galeano.)

Antes que tomasse posse formal no Palácio Queimado, em La Paz, as populações indígenas limparam completamente toda a construção palaciana e a praça no entorno para que o líder entrasse ali como presidente indígena da Bolivia. Evo é um personagem carismático, que representa, da melhor maneira possível, a identidade nacional boliviana. Sua vida é um capitulo essencial da própria vida da Bolívia.

Lula, por sua vez, nasceu no coração do setor mais miserável do Brasil, no sertão nordestino, filho do pior período de secas. Comeu pão pela primeira vez aos sete anos. Fugiu da seca com os seus oito irmãos sobreviventes, junto com a mãe, Dona Lindu, guerreira lúcida, mesmo se analfabeta a vida toda. Viajaram 13 dias de pau-de-arara, com as únicas roupas que tinham, comendo pouco e mal, tomando a água que podiam encontrar pelo caminho. Chegaram a São Paulo como os típicos imigrantes dos anos 1950. Para ser mão-de-obra barata que construía a riqueza da metrópole paulista.

Lula foi mascate, engraxate, office-boy, vendeu todo tipo de produto para aportar algum dinheiro para Dona Lindu administrar como pudesse garantindo a sobrevivência da família. Escolhido para ser o único filho da Dona Lindu a estudar, fez escola técnica, formou-se operário mecânico, ponto a partir do qual iniciou sua caminhada para se tornar líder sindical e politico, até chegar a ser o mais importante presidente que o Brasil já teve. A biografia do Lula é a biografia do Brasil.

Pepe Mujica é o outro personagem emblemático do período politico mais importante da América Latina. Ele teve a sorte de ter um livro que busca relatar as características distintivas do Pepe, que o fazem o personagem mais relevante da história do Uruguai nas últimas décadas do século passado e nas primeiras deste.

No Dia dos Pais, meu filho Miguel me deu de presente um livro atraente já no título: O PRESIDENTE E O SAPO (Dublinense), de Carolina De Robertis, escritora uruguaia, residente nos Estados Unidos. É desses romances que a gente devora pelo encanto do protagonista e suas vivências na forma como são relatadas. O livro busca construir o que teriam sido os anos de solitária do Pepe na prisão. Como ele conta, para não enlouquecer, Pepe passou a conversar com as formigas e com o sapo, que cruzavam por sua cela. Uma reconstituição feita, na narrativa, por uma jornalista norueguesa. Foram anos, segundo Pepe, definidores para o que ele é hoje. Pepe Mujica seria outro, se não tivesse passado por tudo aquilo.

O livro de De Robertis coloca as questões que também colocam todos que pudemos estar com Pepe tanto na presidência do Uruguai, quanto no seu sitio – comprado com sua mulher um ano depois dos 13 de confinamento solitário. Mesclam-se na obra as recordações de infância, os duros anos da prisão e da tortura, as conversas com o sapo, companheiro da solidão na cela, até suas experiências como presidente do Uruguai. O romance é a trajetória de vida de um ex-preso politico, de um ex-presidente – o presidente mais pobre do mundo -, mas principalmente de uma pessoa que, pela sua vida, pela sua sensibilidade, concentra em si mesmo os melhores valores que um ser humano pode ter. Por isso, trata-se de uma leitura que nos enriquece humana e eticamente.