Viviana Vuscovich é gerente de direitos estrangeiros e audiovisuais do Grupo Editorial Mauri Spagnol (GeMS), um dos mais fortes conglomerados de editoras na Itália, que abarca casas como Vallardi, Ponte alle Grazie, Garzanti, Longanesi, Nord, Tre60, entre muitas outras. Há 11 anos à frente das vendas de livros italianos do grupo para tradução e adaptação audiovisual, Viviana Conversa Com (A)Gente sobre sua atividade, o mercado editorial na Itália e no mundo, os desafios para superar a barreira da língua e as dificuldades impostas pela pandemia. Sugere títulos que considera fundamentais à fruição da literatura italiana e, perguntada sobre uma obra ou autor a quem os editores brasileiros deveriam atentar, é enfática: “Sem dúvidas, a série da protagonista Teresa Battaglia, de Ilaria Tuti, a começar por FIORI SOPRA L’INFERNO (Flores sobre o inferno, em tradução livre)! (…) Um thriller cuja protagonista é inesquecível.” Tendo na bagagem profissional a experiência do trabalho numa agência milanesa e indagada sobre a qualidade mais essencial a um profissional de direitos subsidiários, Viviana não hesita numa resposta que tem toda a concordância da equipe VB&M: “A paixão é imprescindível. (…) O motor de tudo é o amor pelas histórias e pelos autores.”
Viviana Vuscovich formou-se em editoração em 2002. Trabalhou por três anos numa agência literária em Milão, atividade que a seu ver é a melhor escola para uma compreensão completa e panorâmica do mercado editorial. Em 2006, começou a trabalhar na GeMS, primeiro com aquisições e se concentrando nos livros vendidos em parceria com jornais, modalidade comercial que estava em seu ápice naquela época. Desde 2010, é responsável pelo departamento de vendas de direitos estrangeiros e audiovisuais dos autores italianos publicados pelo grupo.
VB&M: Você atua como gerente de direitos estrangeiros do Grupo Editorial Mauri Spagnol e é responsável pela disseminação da literatura italiana ao redor do mundo. Quais são os maiores desafios e as maiores recompensas de seu trabalho?
VV: É uma grande responsabilidade. A Itália tem um patrimônio cultural importante, mas o italiano é, infelizmente, uma língua pouco difundida, o que gera um obstáculo relevante, pois a escassez de leitores de italiano nas editoras mundo afora diminui as chances de avaliação das obras. Um aspecto que me alegra e dá orgulho, por outro lado, é vender para tradução um livro de autor italiano que, mantendo a pegada cultural italiana, faz sucesso ao tratar de temas universais que atravessam fronteiras.
VB&M: Quando um livro chega do departamento editorial, você imediatamente consegue prever sua trajetória em termos de vendas estrangeiras? O que é essencial para um livro italiano viajar para outros países e que títulos são mais facilmente vendáveis para o exterior?
VV: Com a experiência acumulada em todos esses anos, arrisco-me a de cara elaborar uma ideia sobre um livro, mas a leitura aprofundada de uma obra permanece como o melhor instrumento para encontrar aquelas três ou quatro características principais que servirão de base aos pitches. Como disse anteriormente, acredito que o efeito glo-cal, ou mesmo livros muito fiéis à italianidade mas com respiro internacional, são aqueles para os quais prevejo sucesso, senão certo, ao menos bastante provável, no exterior. As narrativas de gênero — thrillers, romances femininos, romances históricos — viajam mais facilmente do que narrativas muito literárias, ainda mais quando de autores novatos, sempre mais difíceis de se promover, mais ainda nesse período de pandemia em que a prudência é quase obrigatória. Mas posso afirmar que os livros que me deram um “choque” desde as primeiras palavras dos editores acabaram sempre por se revelar os maiores sucessos internacionais, tanto na ficção quanto na não ficção.
VB&M: Você dividiria conosco uma grande surpresa de sua carreira — um livro do qual você não esperava muito e que acabou fazendo grande sucesso no exterior?
VV: Nunca aconteceu, mas não quero parecer presunçosa, não vejo a hora de acontecer! O que mais sucede, porém e infelizmente, é o oposto, um livro sobre o qual tinha expectativas, às vezes num país determinado, e que não encontra seu caminho. Nem sempre é possível entender o porquê…
VB&M: Quais são os países mais receptivos à literatura italiana?
Geralmente, os países mais próximos à Itália: Espanha, França e Alemanha, em primeiro lugar, mas Albânia e Grécia costumam segui-los. Faz uns anos, os países árabes também começaram a traduzir muitos de nossos livros.
VB&M: De seu catálogo atual, a que livros os editores brasileiros deveriam atentar? Que livros dariam a você maior prazer de ver traduzidos no Brasil?
VV: Sem dúvidas, a série da protagonista Teresa Battaglia, de Ilaria Tuti, a começar por FIORI SOPRA L’INFERNO (“Flores sobre o inferno”, em tradução livre)! O romance, primeiro da série, vendeu 260 mil cópias só na Itália e foi vendido para tradução em 27 países. Para mim, é uma grande satisfação profissional. Trata-se de um thriller cuja protagonista é inesquecível: a detetive Teresa, uma mulher de 60 anos que não é nem bonita nem sexy e tem vários problemas de saúde; ela é diabética e sofre de um Alzheimer em progressão que perturba sua vida e seu trabalho e que ela tenta esconder de sua equipe. Acabei de ler o quarto volume da série e a cena em que ela compreende que um de seus subordinados sabe de sua doença me deu arrepios! Teresa é incrivelmente real e parece que a conhecemos em suas nuances mais íntimas, na sua dor surda, talvez a maternidade não realizada que a deixou com uma falta e uma solidão ferozes… Mas me parem porque poderia ficar falando dessa personagem por horas, ela é realmente imperdível!
VB&M: Quais são as características mais importantes e indispensáveis para se tornar um bom profissional de direitos estrangeiros?
VV: A paixão é imprescindível. Estar antenado no mercado editorial mundial, nas tendências do momento e nas linhas editoriais de cada editora certamente faz diferença. No entanto, o motor de tudo é o amor pelas histórias e pelos autores. Só assim se pode nutrir a curiosidade e estar sempre a postos para aproveitar as oportunidades e os ganchos que surgem para fazer o livro italiano encontrar o editor estrangeiro.
VB&M: Como a Covid-19 mudou o mercado editorial italiano e sua atividade no dia a dia?
VV: Felizmente, fora os primeiros meses, a pandemia não gerou efeitos negativos no mercado editorial italiano. Ao contrário, as vendas de livros estão ótimas. As livrarias permaneceram abertas durante o lockdown porque o livro foi considerado produto de primeira necessidade. Uma verdadeira sorte em comparação a tantos outros setores culturais que permanecem parados. Talvez o fato de todas as editoras terem revisto seus planos editoriais e programado os títulos mais fortes para esse período tenha contribuído para a resiliência do setor. Claro, isso leva a uma substancial “bestsellerização” do mercado que precisará ser avaliada a longo prazo.
No que concerne à minha rotina de trabalho, esta mudou profundamente; foi necessário buscar novas estratégias. As vendas para o exterior caíram drasticamente, devido ao fato de as editoras estrangeiras terem apostado menos em novidades, demandando títulos mais certeiros e programando seus lançamentos com grande antecedência, o que deixou pouco espaço em seus catálogos. No dia a dia, reduzi as submissões feitas com muita antecedência à publicação italiana, por exemplo. Não havendo mais aquelas reuniões nas datas marcadas das feiras de Londres e Frankfurt, estamos em feira permanente, o que não sei se é bom ou ruim.
VB&M: O que você lê por prazer? Poderia nos sugerir de de três a cinco títulos italianos que todo leitor no mundo deveria ler?
VV: Profissionalmente, leio mais de 100 livros por ano. Considerando o tempo demandado por compromissos familiares e pessoais, não sobra muito para as leituras não profissionais. Por isso, escolho com muito cuidado as minhas leituras de puro prazer, que são em sua maioria títulos literários, preferencialmente histórias íntimas. Gostaria, portanto, de recomendar os seguintes títulos, que escolhi buscando diversidade de época e temas. Espero que estejam disponíveis em português e que as leituras possam dar a vocês a alegria que me deram.
“O mal obscuro”, de Giuseppe Berto (Editora 34, 2005). Trata-se de um clássico, publicado pela primeira vez em 1963, e, como define o autor, é “a história de sua longa luta com o pai”. Um exemplo magistral do equilíbrio perfeito entre o trágico e o cômico.
“Oceano mar”, de Alessandro Baricco (Iluminuras, ANO NÃO ACHEI). Gosto muito desse livro, publicado em 1993. Trata-se de uma narrativa que adorei, criativa, surreal, os elementos se encaixam perfeitamente, um verdadeiro prazer.
“L’arte della gioia”, de Goliarda Sapienza (Einaudi, 1994), é um livro póstumo que fala de uma mulher capaz de bagunçar todas as regras do jogo — a cultura patriarcal, fascista e opressiva em que vive — para experimentar apenas o verdadeiro prazer. Um livro escandaloso e muito vívido.
“Lo spazio bianco”, de Valeria Parrella (Einaudi, 2008), narra o tempo suspenso de uma mãe corajosa que aguarda o destino de sua filha recém-nascida atrás do vidro da incubadora.
“La città dei vivi”, de Nicola Lagioia (Einaudi, 2020), romance no qual uma notícia chocante se torna matéria viva para uma jornada às raízes do mal. Impressionante.