A TEMPESTADE QUE A TRELLIS ESTÁ FAZENDO

Do posto de comando de dezenas de negociações e leilões simultâneos em torno dos títulos da novíssima Trellis Literary Management, Allison Malecha encontrou tempo para uma CONVERSA COM (A) GENTE sobre a agência que está agitando e reavivando o mercado editorial americano e internacional; sobre os romances que vêm encantando os editores; e sobre sua própria carreira no mundo do livro. Depois de anos como editora na Grove/Atlantic e como scout no conceituado escritório de Bettina Schrewe, Allison aceitou o convite das agentes Michelle Bower (ex-Aevitas), Allison Hunter (ex-Janklow) e Stephanie Delman (ex-Sanford Greenburger), que se associaram a fim de fundar a Trellis em outubro, para se juntar à equipe na condição de diretora de direitos estrangeiros. Um dos leilões em questão está acontecendo no Brasil com VB&M na coordenação em nome da Trellis, três casas disputando os direitos de THE STORM WE MADE (A tempestade que fizemos), de Vanessa Chan, romance histórico passado na Malásia durante a II Guerra Mundial, incrivelmente vendido para vários países antes mesmo de ser anunciada sua editora nos Estados Unidos, Marysue Rucci Books/Scribner, que o arrematou junto ao próximo volume de contos da autora por um adiantamento na faixa de sete dígitos de dólares. Neste momento, sabe-se que o livro terá tradução em pelo menos 13 territórios.

VB&M: O que a fez deixar a longa e estável posição como scout para aceitar o convite de Michelle Bower, Allison Hunter e Stephanie Delman para construir do zero o Departamento de Direitos Subsidiários na recém-criada Trellis Literary Management?

AM: Uma parte importante da minha resposta está contida na formulação da sua pergunta — foi o convite para fazer parte do início de algo novo, poder construir algo do zero, e aprender tanto no processo, o que me motivou a me unir à Trellis, ainda que eu amasse ser scout, além de acreditar que se trata do melhor caminho para aprender como ler e pensar sobre livros da maneira mais abrangente possível.

Um dos fatores que motivou a fundação da Trellis foi a convicção compartilhada pelas sócias de que não precisamos fazer as coisas da maneira como sempre foram feitas. Queremos oferecer um lugar seguro para novas vozes, novos tipos de histórias. Queremos apoiar de verdade a juventude. Conheço Michelle, Allison e Stephanie individualmente há anos, e eu sabia que a união das três resultaria em algo muito poderoso. Já vemos isso confirmado na resposta à fundação da Trellis. Ainda mais vigorosamente na resposta às primeiras submissões negociadas sob a bandeira da Trellis, tanto nos EUA como no mundo todo.

VB&M: Como você resumiria a visão da Trellis acerca da literatura americana e do mercado do livro? Quais são os livros que você quer ver em seu catálogo e vender para os editores nos EUA e no mundo, e o que eles têm em comum?

AM: Nós da Trellis estamos empolgadas com o direcionamento mais inclusivo que a literatura americana, assim como a global, está tomando. Queremos estar na vanguarda do apoio aos escritores que estão contando as histórias que por muito tempo foram ignoradas, ou colocadas em caixinhas. Queremos que nossos autores prosperem ao contar as histórias que desejam e precisam contar. Uma de nossas sócias disse recentemente, ao descrever seu próprio gosto literário, ser atraída pela ficção que explora uma questão com originalidade e paixão — quer essa “questão” seja grande como a desigualdade racial, quer seja uma questão íntima, como o estranhamento entre irmãos. Penso que isso encapsula o que a maior parte do catálogo da Trellis já está fazendo e continuará a fazer. Gostamos de histórias com substância, que ultrapassam os limites do gênero e do padrão, gostamos de uma escrita inteligente com uma voz desinibida. Nosso núcleo é a ficção adulta, embora as agentes tragam também alguns fortes escritores de não-ficção, e prevemos que nossa lista vá crescer em novas áreas.

VB&M: Quais são os desenvolvimentos e tendências que você percebe na indústria do livro internacional pós-pandemia?

AM: Por um lado, a indústria do livro internacional se tornou mais reticente — editores estrangeiros estão mais preocupados (com razão) com a inflação, com o preço dos livros e com o comportamento dos leitores em um mundo tão inconstante. Querem “apostas seguras”, e cada vez mais esperam que um livro faça sucesso nos EUA (ou em qualquer que seja seu país de origem) antes de adquirir seus direitos. Por outro lado, vejo mais ousadia no mercado internacional — editores estão mais empenhados na busca de vozes diversas, rompendo os limites de gênero em seus próprios mercados. Procuram histórias otimistas em um mundo ainda sombrio, procuram livros que nos ensinem a pensar sobre a vida e o trabalho de outra forma — e mantêm a mente aberta para o que isso pode parecer. É empolgante!

VB&M: Por favor, nos conte sobre alguns dos livros que você está apresentando para editores internacionais. Comecemos com THE COLLECTED REGRETS OF CLOVER, de Mikki Brammer.

AM: Nossa primeira grande submissão internacional é THE COLLECTED REGRETS OF CLOVER (“A coleção de mágoas de Clover”, em tradução livre), uma estreia que tenho chamado de o livro sobre a morte mais defensor da vida que você poderia ler. O romance acompanha Clover, uma doula de pacientes terminais, alguém que se dedica a guiar e acolher pessoas pacificamente em seus últimos momentos. Após dois grandes contratos serem negociados nos EUA, na Grã-Bretanha, e na Austrália, país de origem da autora, tem sido incrível ver esse livro gerar tanta comoção também internacionalmente — acabamos de fechar uma impressionante venda de dois livros da autora, este e o próximo, para a Droemer, na Alemanha. Temos vendas e ofertas em seis outros territórios. O Brasil será o próximo, eu espero!

VB&M: Testemunhamos uma carreira peculiar acontecendo para THE STORM WE MADE (A tempestade que fizemos), de Vanessa Chan, com você recebendo propostas e negociando acordos com grandes casas editoriais internacionais antes mesmo da definição e anúncio da editora americana do romance. Como você conseguiu isso?

AM: THE STORM WE MADE é uma estreia extraordinária. Com uma firmeza de escrita rara de se ver, é uma saga familiar entrelaçada a uma narrativa de espionagem que se passa durante a ocupação japonesa na Malásia entre 1941 e 1945, com flashbacks da década anterior. Fechamos uma oferta em pre-empt (NT: uma oferta mais alta com a intenção de tirar o livro do mercado a fim de não ir a leilão) do dia para a noite com a Ecco/Harper na Alemanha antes mesmo de o livro ter sido enviado em submissão internacionalmente, e temos vendas e ofertas em 13 territórios antes de a negociação ser concluída nos EUA — onde acabamos de vender os direitos de THE STORM WE MADE e a coleção de contos THE UGLIEST BABIES IN THE WORLD (Os bebês mais feios do mundo), de Vanessa Chan, para a Marysue Rucci Books/Scribner por um adiantamento fantástico de sete dígitos. A resposta sem precedentes a esse romance, penso, se deve ao fato de a narrativa explorar uma dimensão da Segunda Guerra Mundial que parece inteiramente desconhecida, pelo menos na literatura ocidental. Mas, na verdade, é a força da escrita de Vanessa, e a inabalável e vívida complexidade de seus personagens, que enfeitiça tanto os editores. Tem sido a submissão mais espetacular e gratificante de que já participei.

VB&M: Carolina De Robertis, que acaba de se mudar para a Trellis, é publicada pela Knopf nos EUA e em outros 17 territórios com grande aclamação crítica. O que o leitor brasileiro está perdendo?

AM: Eu mesma estou descobrindo agora como leitora a obra de Carolina De Robertis, e é uma experiência tão recompensadora. Seu romance CANTORAS, de 2019, focado em cinco mulheres lésbicas no Uruguai dos anos 1970, que fazem de uma pequena península quase inabitada seu santuário secreto, longe dos olhos inquisidores do governo tirânico, é um retrato deslumbrante do amor e da alegria apesar dos pesares — o tipo de história que tantos de nós precisam mais do que nunca. Seu romance mais recente, THE PRESIDENT AND THE FROG (O presidente e o sapo), entrou para a lista longa do prêmio PEN/Faulkner de ficção e é finalista do PEN/Jean Stein — estamos com os dedos cruzados. Torço também para que brasileiros e outros tenham a oportunidade de descobrir ou redescobrir a obra de De Robertis. Acabamos de negociar os direitos de tradução na Sérvia da sua aclamada e arrebatadora estreia, THE INVISIBLE MOUNTAIN (A montanha invisível).

VB&M: Com sua longa experiência como editora e scout, e agora atuando como agente, qual atividade no meio editorial é mais gratificante para você?

AM: Vim para o mercado editorial, assim como todos nós, por amor aos livros — porque, por haver mudado de cidades tantas vezes na infância, sempre tive um lar entre as páginas de um bom romance; porque acredito no poder e na importância de contar histórias e ultrapassar os limites da minha própria compreensão humana através da narrativa. Mas, em cada parte do meio editorial, são as pessoas que fazem esse trabalho valer a pena — sou grata todos os dias por meus colegas maravilhosos e solidários, de perto e de longe.

VB&M: Quais leituras a formaram como mulher e profissional do livro e o que você costuma ler por diversão?

AM: Devorei tudo o que podia de Toni Morrison durante o ensino médio e os seus livros foram os primeiros que me fizeram entender que a escrita pode ter textura e transportar o leitor tão inteira e valiosamente para outras experiências. Na faculdade, estudei muito sobre literatura absurdista, particularmente a obra de Albert Camus e Bohumil Hrabal, e permaneço sob a influência de escritores que conseguem encontrar humanidade e humor em lugares inesperados. Leio uma gama variada de coisas por diversão, e até um pouco de não-ficção também: alguns favoritos recentes são A GHOST IN THE THROAT (Um fantasma na garganta), de Doireann Ní Ghríofa, BRAIDING SWEETGRASS (Trança de erva doce, em tradução livre), de Robin Wall Kimmerer, e THE SECRET LIVES OF CHURCH LADIES (As vidas secretas das mulheres da igreja), de Deesha Philyaw.