AMOR PROIBIDO E ROSAS ROUBADAS

NARRATIVAS & DEPOIMENTOS publica trecho de A MEMÓRIA DAS ROSAS, romance recém-finalizado de Henrique Schneider, advogado e autor, entre vasta obra, de SETENTA e do também inédito, a ser lançado em 2022, A SOLIDÃO DO AMANHÃ, segundo volume de sua Trilogia da Ditadura, ambos títulos da Dublinense. Em A MEMÓRIA DAS ROSAS, joia literária perfeitamente lapidada, Henrique narra uma história passada no início do século XX e ambientada em pequena cidade de colonização germânica e costumes conservadores no Sul do país: a descoberta do amor entre uma jovem aluna de ascendência alemã e sua professora de piano, uma “brasileira”, que chega de Porto Alegre para assumir as aulas no liceu de meninas da região. As rosas são o motivo que atravessa a narrativa e o amor entre Hannah e Catarina do início ao fim.

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12º CAPÍTULO

Catarina abriu a porta e a primeira coisa que viu foi a rosa, rápida, estendida em direção ao seu peito. Depois, foi o sorriso de Hannah, parecendo ir além da molecagem de trazer escondida à professora uma flor recém roubada. As flores haviam se tornado uma espécie de símbolo entre elas, o segredo bom que mantinham sem peso. Para Hannah, colher a flor num momento em que não estivessem no jardim os olhos da mãe, levá-la com disfarçado zelo por todo o caminho e só descobri-la com cuidado e na segurança do sorriso da professora, era uma espécie de prova de coragem que precisava mostrar a si mesma. E para Catarina, manter em seu quarto aquelas flores solitárias e afastadas de qualquer olhar que não fosse o seu, acompanhando seus lentos despetalares e a perda suave e silenciosa de seus viços, consistia numa alegria delicada e intimista, cujo fim inelutável, mesmo com certo medo, ela sabia qual era.

“Entra.” – pediu Catarina, acolhendo a rosa.

Hannah entrou com passos diferentes, certa decisão nova em seus movimentos – talvez como os de alguém que já se sentisse um pouco em casa – e foi com a mesma decisão que desvestiu o xale que levava sobre os ombros e perguntou à professora onde poderia guardá-lo. (Vejam como suas mãos já não tremem mais).

“Deixa que vou colocar no meu quarto, em cima da cama. E já aproveito e ponho a flor no vaso, a fazer companhia às outras.”

“Obrigada, Catarina.” – disse a aluna, e nem uma e nem outra se surpreenderam com aquela desejada intimidade.

Quando a professora voltou, Hannah estava sentada na ponta da poltrona amarela, as costas retas, mal acomodada – como se aguardasse o convite para acomodar-se inteira, como se aquele estar em casa ainda fosse incipiente, um pouco incompleto. Sem dizer nada, Catarina foi à cozinha e de lá voltou com um pratinho cheio de biscoitos de polvilho, caprichosamente colocados sobre um guardanapo de renda.

“A cada aula, uma delícia nova.” – comentou Hannah, sem saber que sorria. – “Assim, daqui a um tempo, não vou nem conseguir passar pela porta.”

“Se estiver aqui dentro, não vejo problema.” – respondeu Catarina. Depois adendou, olhos firmes na aluna – “Na verdade, eu vou até gostar.”

Hannah manteve o sorriso e surpreendeu-se ao perceber que não se envergonhara com aquele comentário que parecia ter também certo jeito de convite.

Ficaram ambas se olhando por uns instantes, despreocupadas de qualquer disfarce, e naqueles olhares morava uma certeza ainda desconhecida, mas que já começava a abrir caminhos e de alguma maneira iluminava a sala. Parecia existir, naqueles olhares, um jogo pequeno e suave, a ver quem primeiro diria algo e, com a palavra, desfaria aquele momentâneo encanto.

Foi Catarina quem teve a força de falar:

“Vamos à aula, então?”

A aluna pareceu quebrar-se um pouquinho, talvez desapontada com aquele pedido que saía do esperado, daquilo que dizia a urgência quente dos olhares, mas levantou-se logo, recomposta e aplicada, e, apanhando um biscoito do prato, dirigiu-se ao piano.

“Para não passar pela porta.” – disse ela, mostrando o biscoito à professora.

Na aula, Hannah errou bastante. Não por conta de limitação ou imperícia, mas sim porque sua alma, longe das lições do dia, não queria acompanhar as mãos. Estas corriam pelas teclas, um pouco a esmo e timidamente perdidas, enquanto a alma desejosa de Hannah teimava em estar num outro lugar – talvez olhando as flores ou buscando o xale no quarto de Catarina –, subitamente sabedores do que significavam aquela inquietude e aquele broto cortante no peito. E o olhar da professora, que ela adivinhava dividir-se entre a errância de suas mãos e a suave claridade de seus cabelos, era ingrediente ainda maior a afugentá-la da música e, ao mesmo tempo, embarcá-la num mundo novo e ignorado, cujas portas Hannah queria abrir.

E quando, num erro maior, Catarina colocou a mão esquerda sobre os dedos da aluna a fim de parar aquela desafinação, Hannah manteve um segundo sobre a sua própria mão aquela leveza tépida, para então levá-la com decisão até o peito onde as batidas do coração pareciam tambores. Depois levantou-se e, braços iniciando o abraço num caminho desde sempre adivinhado, sua boca buscou com alegria recém nascida a boca de Catarina.