CHAMA LITERÁRIA

Rita Mattar Conversa Com (A)Gente sobre a recém inaugurada Fósforo, que fundou em parceria com Fernanda Diamant e Luís Francisco Carvalho Filho. Sucessora da Três Estrelas, antigo selo de livros da Publifolha, a Fósforo surge para manter vivo o legado de Otavio Frias Filho, ex-diretor da Folha de S. Paulo. Rita comenta os livros que vão estrear seu diverso catálogo e os desafios de abrir uma editora num mundo virtual, e fala sobre a participação da Fósforo na criação do prêmio de não-ficção América Latina Independente, que promete fortalecer a presença da literatura brasileira no continente_ o vencedor será publicado em dez países pelas editoras participantes.

VB&M: O ano de 2021 começou agitado para você com o lançamento da Fósforo. Como surgiu a ideia de fundar a editora em parceria com Fernanda Diamant e Luís Francisco Carvalho?

RM: A ideia de criar uma nova editora veio da Fernanda, no início de 2020. Antes disso, nós vínhamos conversando bastante sobre que destino dar ao legado editorial do Otavio Frias Filho após a morte dele em agosto de 2018. Me refiro ao catálogo da Três Estrelas, selo da Publifolha onde eu vinha trabalhando desde maio de 2018. Depois de pensar nas alternativas possíveis, nos pareceu que começar uma nova editora que fosse independente do Grupo Folha e ao poucos republicar algumas obras da Três Estrelas seria a melhor maneira de dar a nossa cara ao projeto e ao mesmo tempo manter vivo o trabalho do Otavio. Foi a Fernanda também quem trouxe o Luís Francisco para a sociedade. Ao lado da sua carreira como advogado criminalista, o Chico sempre manteve uma relação próxima ao universo dos livros: foi diretor da Biblioteca Mário de Andrade e é um grande escritor de ficção. Com isso, combinamos experiências e olhares diferentes sobre nosso campo de atuação.

VB&M: Como se deu o processo de definir o perfil da Fósforo? Qual será a linha editorial? Quais os títulos que marcarão a inauguração da casa?

RM: Discutimos bastante se nosso catálogo deveria se ater a um nicho específico, mas afinal decidimos não estabelecer nenhuma limitação apriorística à linha editorial e deixar o catálogo falar por si. Esperamos que com o tempo nosso perfil, assim como a nossa maneira de trabalhar, vá se delineando com clareza para o público e para o mercado. Nossos primeiros lançamentos, que sairão em maio deste ano, procuram refletir a variedade do nosso catálogo:

Psiconautas – viagens com a ciência psicodélica brasileira, de Marcelo Leite com prefácio de Sidarta Ribeiro;

O 13 de maio e outras estórias do pós-abolição, de Astolfo Marques, com organização e apresentação de Matheus Gato de Jesus e prefácio do Paulo Lins;

O lugar, mescla de autobiografia e sociologia com sabor de ficção da grande escritora francesa Annie Ernaux, traduzido pela poeta, editora e tradutora Marília Garcia;

e o conto de ficção científica “O cometa”, de W. E. B. Du Bois (traduzido por André Capilé), acompanhado do artigo da professora e escritora americana Saidiya Hartman “O fim da supremacia branca, um romance americano”, de quem também vamos publicar outras obras no futuro. A tradução do artigo será feita pela Cecília Floresta.

VB&M: Quais os maiores desafios e as maiores vantagens de se gestar e lançar uma editora em meio ao atual cenário?

RM: Nascer depois de tantas crises que o mercado vem vivendo vai nos dar a oportunidade de implementar alguns aprendizados desde a nossa origem. A crise do varejo que teve seu pico em 2018, por exemplo, obrigou todas as editoras a aprimorar suas ferramentas de e-commerce e diversificar canais de venda, algo que já estará incorporado à nossa estrutura comercial. Também sabemos que os formatos digitais, seja o e-book ou o audiolivro, merecem muita atenção, e estamos animados com as possibilidades que esses formatos oferecem em tempos de isolamento social. Por outro lado, mesmo que a pandemia não tenha prejudicado especialmente o mercado editorial, para nós será um desafio estrear num mundo virtual, sem poder lançar nossos livros presencialmente ou fazer um evento para marcar a abertura da editora. Essa é a parte que nos deixa com o coração apertado, mas preferimos deixar os encontros presenciais para quando eles voltarem a ser seguros.

VB&M: Você é jovem mas seu CV no mercado editorial já é longo, rico e variado, com passagens razoavelmente duradouras na Companhia das Letras, como editora e gerente de direitos estrangeiros; na 3 Estrelas, como publisher; e na produtora RT Features captando e coordenando a contratação de direitos audiovisuais de obras literárias. Como essas experiências influenciaram o seu perfil de editora e de empresária da indústria cultural?

RM: Nada foi muito planejado, mas acho que foi bacana ter tido mais de uma função dentro da Companhia das Letras, onde eu aprendi muito com a equipe extraordinária que trabalha lá. Como editora, trabalhava para a construção do livro: vê-lo lançado e batalhar pela sua promoção era o ponto de chegada. Já na área de direitos, aprendi a enxergar o livro como o ponto de partida de uma série de desdobramentos que o fortalecem e dão origem a novas obras: traduções para outros países, reproduções de trechos em outros livros e mídias, adaptações para teatro e cinema; tudo isso são coisas “acessórias” ao processo de edição, mas que o tornam mais completo, tanto para a editora quanto para o autor ou autora. Quando contratamos um título na Fósforo, já estamos pensando nas diferentes mídias e formatos em que ele pode se desenvolver, e trabalhamos desde o início com o autor ou autora para essa construção.

VB&M: A Fósforo, junto com outras sete editoras latino-americanas, criou o prêmio de não-ficção América Latina Independente. Como funciona o prêmio e qual a ideia por trás de sua criação?

RM: A ideia da criação do prêmio e o convite para participarmos veio do editor argentino e amigo Victor Malumián, da Ediciones Godot. Para eles, assim como outras editoras independentes de língua espanhola, a questão da distribuição de livros no continente é um gargalo, pois muitos dos livros do seu mercado vêm da Espanha e não têm a capilaridade necessária para atingir todo seu público potencial. Para esse grupo de editores, a saída para o problema é coletiva. Nós compartilhamos dessa visão colaborativa e ficamos felizes em ver o Brasil sendo convidado para integrar um prêmio latino-americano. Por conta da diferença de idioma, muitas vezes somos esquecidos, ou nos auto excluímos, e todos saem perdendo com essa distância. Por isso, aceitamos na hora o convite, mas apresentamos duas condições: que toda a comunicação fosse feita nos dois idiomas, e que o júri também pudesse ler português, para assegurar aos candidatos lusófonos chances iguais de participar. Também achamos interessante que o prêmio final fosse a publicação do livro por cada uma das editoras em seu próprio território. Certamente vai ser uma experiência muito rica para o vencedor ou a vencedora. Aliás, as inscrições estão abertas até o dia 15 de fevereiro, e esperamos receber candidaturas brasileiras!

Aqui estão as informação sobre o prêmio e as editoras participantes: http://premiodenoficcion.com/br/index.html