DE ESCRITOR PARA ESCRITOR

Autor de vasta e diversa obra, Luiz Biajoni contribui para a coluna Narrativas com o breve e instrutivo ensaio “Escrever a verdade – mas pode contar com uma ajudinha”, em que reflete sobre processo de escrita e comenta as valiosas dicas do escritor e professor Robert McKee. Biajoni participou de um seminário de McKee chamado “Story”, depois do qual escreveu o romance A VIAGEM DE JAMES AMARO (Língua Geral, 2017), que considera o mais ágil de sua obra.

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ESCREVER A VERDADE – MAS PODE CONTAR COM UMA AJUDINHA

Os irmãos gêmeos, pretensos escritores, em “Adaptação” (2006), ótimo filme de Spike Jonze, refletem as duas ambições de qualquer escritor: escrever grande arte e atingir o público com sua obra. Em outras palavras: receber o elogio da crítica e de seus pares e ganhar dinheiro com seu livro. Grande literatura e sucesso.

No filme, um dos gêmeos se contorce de angústia e desespero na tentativa de adaptar um livro para roteiro cinematográfico – ele não quer fazer uma adaptação simples, quer atingir o mesmo nível artístico do livro, a extraordinária peça de jornalismo literário de Susan Orlean, “O Ladrão de Orquídeas”. Ele desdenha do irmão, que está fazendo um curso de escrita com Robert McKee e pretende escrever um filme de sucesso com as fórmulas aprendidas.

O roteirista Charlie Kaufman tinha aceitado o desafio de Jonze de escrever o roteiro a partir do livro de Orlean e se debatia sobre o projeto quando o diretor sugeriu que ele fizesse o curso de McKee – talvez algum insight pudesse revelar a melhor maneira de escrever a adaptação. Inicialmente, Kaufman rechaçou a ideia – ele era um grande escritor, já tinha sido indicado ao Oscar, não precisava de um curso de escrita para ajudá-lo com um roteiro. Mas estava realmente empacado e resolveu dar uma olhada. Então, teve a excelente ideia de transformar a si mesmo em dois personagens, os tais irmãos gêmeos, debatendo-se sobre a tal adaptação enquanto a história do romance de Orlean ia sendo contada – parte como obra de um escritor de alto nível, parte como escreveria um autor de roteiros hollywoodianos meio previsíveis. Ousado, Kaufman assinou o roteiro com seu nome e de um falso irmão gêmeo, Donald – e acabou levando o Oscar pelo filme.

O Robert McKee real adora o filme e o fato de ter sido interpretado pelo grande Brian Cox em “Adaptação”. Papa do roteiro de filmes e de séries, McKee usa o exemplo do filme para mostrar que as “regras, fórmulas e estruturas” que ele ensina devem servir para que o escritor as utilize, mas também subverta, retorça, contradiga, procurando sempre o mais importante que é ESCREVER A VERDADE. Regras, fórmulas e estruturas podem servir como um auxílio para fazer a verdade do texto emergir mais facilmente e, também mais facilmente, talvez, atingir o público, o leitor.

Quando participei do seminário “Story”, de McKee, eu já tinha escrito cinco romances e achava, erroneamente, que não haveria algo que pudesse me ajudar na escrita de novos livros. Pois, sim, na verdade os esquemas que McKee apresenta não são nenhuma novidade; eles já estão delineados nos grandes livros e filmes, nos clássicos: são caminhos que permitem que a história contada tenha certa “tração”, ritmo, que prenda o leitor ou o espectador; enquanto os personagens são apresentados, a história é erigida e as mensagens, transmitidas. Quando uma grande história é contada, ao menos uma outra também é, de maneira sub-reptícia.

Ao final do seminário com McKee, tive um insight e escrevi o romance “A Viagem de James Amaro” (Língua Geral, 2017), em que aplico o que aprendi com o mestre – creio ser meu romance mais “ágil” e com o melhor equilíbrio entre o experimental e o formal, contando histórias que transitam na superfície, para o leitor comum, e em outros níveis, para leitores experimentados.

Depois de McKee, passei a me interessar mais por métodos de estrutura e escrita, em especial por livros assinados por escritores sobre o assunto. Recomendo, por exemplo, “Três Usos da Faca”, de David Mamet; “Confissões de um Jovem Escritor”, de Umberto Eco; “Romancista como Vocação”, de Haruki Murakami; “Sobre a Escrita”, de Stephen King.

Há certa ideia do escritor nato, natural, instintivo, que não precisa ler ou estudar para escrever, que não precisa conhecer como mestres veem seu ofício; que não precisa do auxílio de um revisor, um editor, um leitor beta, uma leitura crítica; que não acredite poder melhorar. Quem não acha que pode melhorar, jamais conseguirá ESCREVER A VERDADE.