DONA DE CASA SOB CENSURA

A coluna Narrativas e Depoimentos traz a carta da escritora italiana Paola Masino sobre seu romance NASCIMENTO E MORTE DA DONA DE CASA, escrito durante o governo do ditador Benito Mussolini e publicado pela primeira vez em 1945. Na carta, que consta da belíssima e recém-lançada edição da Instante, na página 235, Masino relata a transfiguração de seu livro pela censura italiana no final da década de 1930, que removeu as citações bíblicas, assim como as palavras “marechal”, “governador”, “pátria”, “nação” e toda e qualquer referência à Itália. Por milagre ou acaso, uma bomba impediu a publicação dessa edição “virada do avesso”, e a autora reconstruiu sua narrativa como a temos hoje.

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Este livro foi escrito entre 1938 e 1939 e apresentado em esboços para a censura da época; foi julgado por ela uma desfeita cínica. Não proibiram a publicação, mas impuseram que alguns episódios fossem suprimidos, além de todas as citações do Antigo Testamento; deviam também ser banidas as palavras “marechal”, “governador”, “pátria”, “nação”, que pareciam estar contaminadas por um tom genericamente não respeitoso na narrativa. Outras modificações foram exigidas, por exemplo, que a lira* não fosse mencionada, nem qualquer outra peculiaridade que pudesse supor que a história se passe na Itália. As correções foram preparadas, a Dona de Casa pagou em moedas, todo marechal se tornou comandante, um arconte fez sua aparição, e o país foi transportado para outro lado do oceano. Uma edição como essa, virada do avesso, foi impressa e estava pronta para a difusão quando um bombardeio destruiu (em Milão) toda a tipografia e a tiragem do livro. Depois, sucederam-se os eventos, graves demais para que fosse possível se ocupar da Dona de Casa. Retomado o romance seis anos mais tarde, por desejo do editor, tentei, a partir dos esboços da impressão que ficaram comigo, levá-lo de volta à primeira edição; mas não posso jurar em que ponto a versão antiga e a nova se misturam. Não quis me preocupar demais em arrumar cada coisa; algum absurdo foi perdido, quem sabe isso não se combine fatalmente e saborosamente com outros absurdos originais deste retrato de mulher; o qual já me parece tão distante, mal o reconheço.

P.M., 1945

*Moeda italiana na época. [N. T.]