Carlos Marcelo é jornalista, escritor e biógrafo. Trabalha como editor-chefe no jornal Estado de Minas e é autor do romance PRESOS NO PARAÍSO.
VB&M: Como o isolamento tem influenciado seu processo de criação?
CM: Sou jornalista em atividade em uma redação no Brasil de 2020, o que significa atenção incessante para os desdobramentos de múltiplas crises: sanitária, política, econômica. Então as notícias aparecem nos três turnos e nos sete dias da semana. Por isso, tem sobrado pouco tempo para a criação literária. Mesmo assim, algumas ideias teimam em surgir e, como o meu processo sempre começa na folha de papel, faço anotações que posso aproveitar no futuro: um título, um esboço de trama, um diálogo, o nome de um novo personagem. Também escrevi, a pedido da Revista Bula, uma narrativa ficcional em até 280 caracteres. Provavelmente influenciado pelo noticiário, a morte impregna o texto.
VB&M: Quais os maiores aprendizados e desafios deste período?
CM: Muitos. Alguns pessoais, outros profissionais. Outros, desconfio, não conseguimos ainda vislumbrar. Acho que o mais importante é a valorização da vida: evitar a banalização da morte, a falta de empatia. No Brasil atual, esse é um desafio imenso. E nunca perder a chance de demonstrar o afeto pelos que são mais próximos e externar o respeito por pessoas admiráveis, mesmo sem conhecê-las pessoalmente. Tecer uma rede contra a ignorância, forjar um escudo contra a indiferença.
VB&M: Que mudanças você espera ver no pós pandemia? O que veio para ficar e o que será deixado para trás?
CM: Infelizmente, o que eu espero é bem diferente do que acho que vai ocorrer. Gostaria de ver o Brasil valorizar mais o trabalho dos profissionais de saúde, os combatentes da guerra que está sendo travada contra a morte, e que nos fazem redimensionar as nossas atividades. E não apenas os médicos: os enfermeiros, os auxiliares, os fisioterapeutas, os psicólogos… os que convivem diariamente com o risco e com o luto. E valorizar também o trabalho dos que se esforçam para revelar a verdade, como os cientistas e os jornalistas, ou reconstituir e/ou inventar realidades, como os escritores e todos envolvidos na cadeia produtiva da arte. Mas, ao menos em nosso país, turvo por um nevoeiro de ódio proveniente de desavenças políticas e que desaguou na formação de um exército de zumbis descerebrados e violentos, temo que isso não irá acontecer.