Em Narrativas & Depoimentos, o artigo “Por que o trailer de Matrix Resurrections traz a Hipótese da Simulação um passo mais perto da realidade”, do engenheiro de computação, escritor e empreendedor americano Rizwan Virk, publicado originalmente em The Telegraph e traduzido por Yasmin Ribeiro. No texto, Virk comenta o trailer recém-lançado de “Matrix Resurrections”, cuja trilogia original popularizou a teoria de que estaríamos vivendo numa realidade simulada. Essa ideia, profundamente explorada e desenvolvida pelo autor em THE SIMULATION HYPOTHESIS e THE SIMULATED MULTIVERSE, estará acessível ao leitores brasileiros em breve, ambos os títulos prestes a sair no Brasil pela Citadel. Por agora, Virk reflete sobre os avanços tecnológicos na construção da realidade virtual, dispositivos e programas que há décadas pareciam pura ficção científica e hoje fazem parte da rotina da população.
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Por que o trailer de Matrix Resurrections traz a Hipótese da Simulação um passo mais perto da realidade
Por Rizwan Virk
Quando o filme “Matrix” foi lançado em 1999, a ideia de que estaríamos vivendo em um videogame ou simulação computadorizada ultra realista e indistinguível da realidade física, o que chamamos agora de hipótese da simulação, parecia confinada ao âmbito da ficção científica. Agora, com o lançamento do trailer oficial de “Matrix Resurrections”, quando se vê além das cenas de ação, a ideia já não parece tão impossível.
O que mudou? Para começar, MMORPGs (RPGs de múltiplos jogadores) estavam apenas começando – jogos como World of Warcraft e Fortnite ainda anos no futuro –, e dispositivos de realidade virtual portáteis eram apenas um sonho distante. Hoje, a indústria de videogames é uma das maiores do mundo, com bilhões de jogadores controlando seus avatares online a todo e qualquer instante.
CEOs de empresas “big tech” como Facebook e Microsoft estão planejando investir no “metaverso” – uma série interconectada de mundos 3D que fazem uma ponte entre o mundo real e o virtual – o que parece indicar a próxima fase da internet. E não são só jogadores. Filósofos como Nick Bostrom, de Oxford, magnatas da tecnologia como Elon Musk e cientistas como Neil DeGrasse Tyson já especularam sobre a probabilidade de estarmos numa simulação como a Matrix, dando crédito e oportunidade para a Hipótese da Simulação.
No novo trailer, em adição às belíssimas cenas de São Francisco, ambos Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie Anne Moss) estão onde esperávamos: dentro da Matrix. Mais importante, eles parecem não lembrar um do outro, apenas têm a sensação de que já se conheceram anteriormente.
O que isso revela sobre a hipótese da simulação? Por certo, mostra que uma simulação com múltiplos jogadores pode sempre ser reiniciada, ou avançar e voltar no tempo. Não sabemos se o novo filme é uma continuação na linha do tempo da trilogia original, ou se a Matrix foi “reiniciada” para antes do Neo tomar a famosa “pílula vermelha” oferecida a ele por Morpheus (que leva o mesmo nome do deus grego dos sonhos).
Isso nos conduz a uma importante reflexão sobre simulações, proposta originalmente em 1977 pelo prolífico autor de ficção científica Phillip K. Dick, autor de “Blade Runner” e “O Homem do Castelo Alto” (Aleph). Em uma realidade programada em computador, variáveis podem ser mudadas, o sistema pode ser rebobinado e reiniciado, e a única pista de que poderíamos dispor são as sensações de déjà vu, como se já houvéssemos visto certas pessoas ou lugares, ou escutado ou dito as mesmas coisas no passado.
Entretanto, a chave central tecnológica em que a Matrix se sustentava, desde o início até agora, descrita em detalhes em meu livro A HIPÓTESE DA SIMULAÇÃO, consiste no cabo usado para conectar a Matrix diretamente no cérebro humano. Hoje, nós temos a Interface Cérebro-Computador, não mais considerada um sonho tecnológico inalcançável.
Atualmente, estão em desenvolvimento dispositivos que podem ler sinais do cérebro, e esses sinais elétricos podem algum dia servir ao mesmo propósito das pílulas azuis que vimos Neo tomando todos os dias no novo trailer: para induzir um estado de esquecimento ou distração do mundo real. Tudo o que ele se lembra são sonhos que não são realmente sonhos, pois os eventos parecem verdadeiros.
Há alguns anos, eu estava jogando ping pong em realidade virtual e parecia tão realista que, por um momento, esqueci completamente que eu não estava jogando no mundo real. Tentei colocar a “raquete” em cima da “mesa” – mas não havia mesa e o controle caiu no chão. Tudo o que precisei fazer foi tirar os óculos de RV para voltar à realidade – sem necessidade da pílula vermelha.
Enquanto não sabemos com exatidão os detalhes do roteiro, o novo trailer de “Matrix Resurrections” serve como lembrete de que o que antes parecia ficção científica há apenas algumas décadas agora está se tornando comum. Como podemos ter certeza de que não estamos numa simulação? De acordo com o intelectual britânico Havelock Ellis, os sonhos parecem reais enquanto estamos neles – caberia dizer o mesmo sobre a vida?