MAIS SOBRE FICÇÃO BRASILEIRA NO MERCADO INTERNACIONAL

Hoje, o nome desta coluna, Conversa Com (A)Gente, é literal sob todos os ângulos. A conversa é com a agente literária Luciana Villas-Boas, fundadora da VB&M. Trata-se da íntegra da entrevista que ela deu ao jornalista de O Globo Ruan de Sousa Gabriel para a matéria publicada no sábado, 19 de junho, sob o título “Best-sellers como ‘Torto arado’ e séries adaptadas são apostas para literatura brasileira abrir mercado externo”.

RSG: Primeiramente, você poderia, por favor, listar alguns dos livros brasileiros cujos direitos de publicação foram vendidos recentemente?

LVB: Na VB&M, as vendas para tradução realizadas nos últimos 45 dias foram: NIHONJIN, de Oscar Nakasato, um clássico da imigração brasileira que conquistou o Jabuti de melhor romance em 2012 e foi vendido para a editora japonesa Suiseisha; O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS, de José Almeida Jr, histórico-literário, que sairá pelo Grupo Narrativa em Portugal; e esta semana o thriller feminista NADA VAI ACONTECER COM VOCÊ, de Simone Campos, para a charmosa Pushkin, de Londres, que contratou direitos mundiais de língua inglesa.

RSG: O que faz um livro ser vendido para o exterior? É unicamente a qualidade literária do livro? É o fato de ele lidar com temas pertinentes? São as boas relações já previamente estabelecidas por editores e a agentes brasileiros com o mercado internacional?

LVB: A qualidade literária dentro do que o livro se propõe é essencial para uma ficção conquistar públicos internacionais, mas não basta. Antes de conquistar o leitor, é preciso o trabalho incomensurável do agente, que vai apresentar a obra ao mercado incessantemente, munido de materiais essenciais como sinopses e amostras de tradução em inglês, porque o editor estrangeiro precisa ter algo em que se basear para decidir se manda ou não um livro para avaliação externa – obviamente poucos editores internacionais leem português e orçamentos para pareceres estão cada vez mais curtos. Um currículo de vendas, prêmios e resenhas ajuda muito. Se a obra não é conhecida e renomada em sua própria terra, por que um editor internacional deveria se arriscar publicando-a para um mercado em que o autor é totalmente desconhecido?

RSG: Nos últimos tempos, a literatura brasileira tem se tornado mais engajada e refletido sobre temas sociais urgentes, como o racismo. Penso em livros “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, “Marrom e Amarelo”, de Paulo Scott e, principalmente, “Torto arado”, que se tornou um sucesso de público. Essa “guinada social” da literatura brasileira tem a beneficiado no exterior? O interesse pela nossa literatura tem crescido?

LVB: No mundo inteiro, a ficção literária que vem conseguindo espaço é engajada e lida com temas sociais urgentes. Na terra de Goethe, as grandes revelações da literatura alemã têm nomes como Shida Baziar e Hengameh Yaghoobifarah, que traduzem literariamente o preconceito contra mulheres e gays nada arianos. Sessenta anos atrás, Jorge Amado revelava uma ficção mulata e exótica para o mundo, qualidades quase exclusivamente brasileiras, mas hoje todo o Ocidente é mestiço, cada país tem o exotismo em sua própria sociedade, e a luta contra o racismo corta nações, continentes e hemisférios. Não creio que o engajamento político e social em si nos dê vantagem competitiva na literatura. Temos que ser bons – extraordinários – na produção dessa literatura engajada, precisamos de densidade literária. De resto, há um consenso no mercado editorial internacional de que a pandemia criou uma verdadeira (natural) aversão ao risco, o que tem sido péssimo para a bibliodiversidade. Não está fácil para a literatura traduzida em geral, não só brasileira.

RSG: Quando falamos da internacionalização da literatura brasileira, é difícil não nos comparar com nossos vizinhos argentinos, que frequentam prêmios internacionais, como o International Booker Prize. Quais são os principais entraves para a internacionalização da literatura brasileira? A língua é um deles?

LVB: A língua é o maior entrave para uma legítima globalização literária com participação equânime de todas as nações. O poder da língua sempre me impressiona e intriga porque não tem a ver diretamente com a hegemonia sócio-econômica de um país. O espanhol é mais forte do que o português, sem dúvida, mas a hegemonia do inglês simplesmente não tem comparação. Basta pensar como a Alemanha com sua robusta economia e pujante ambiente artístico enfrenta dificuldades de tradução; o mundo ocidental simplesmente desconhece a riquíssima produção literária alemã. Já jovens autores de paupérrimos países africanos, mas de colonização inglesa, são celebridades internacionais.

RSG: O tamanho do mercado brasileiro também é um entrave? Ainda que seja um país imenso, o Brasil tem, relativamente, poucos leitores e é raro que um romance literário se torne um sucesso comercial por aqui. Os números do nosso mercado também “afugentam” editores estrangeiros?

LVB: Não é tanto o tamanho do mercado do livro no Brasil, pequeníssimo em relação à população, mas significativo em termos absolutos (compare com Portugal, Holanda, Dinamarca, Suécia). O grande problema é que até pouco tempo atrás os editores davam as costas para a produção do escritor brasileiro, cuja ficção não tinha lugar nesse mercado. Existe uma impressão generalizada de que o fenômeno TORTO ARADO está mudando esse quadro, mas ainda há muito a caminhar. Um editor me disse: “Legal um TORTO ARADO, mas precisavam ser 30.” Ora, para que 30 romances brasileiros ocupassem lugares expressivos do mercado, pelo menos 600 deveriam ter sido publicados pelo conjunto das editoras. Quantos romances americanos são lançados no Brasil todo ano para que apareçam como best-sellers autoras como Beth O’Leary, Charlie Donlea ou Alex Michaelides, para citar nomes que vi recentemente no topo da lista do PublishNews? Muitas centenas de romances americanos e ingleses são publicados anualmente no Brasil enquanto bons autores brasileiros permanecem no limbo. Nisso, nesse desprezo pela própria literatura, o Brasil é único no mundo, mas diga-se que Todavia e Companhia das Letras têm um trabalho consistente de publicação de autores brasileiros.