NOSSOS ÚLTIMOS DIAS

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Cumprindo à risca as atribuições de seu posto na VB&M, Nelson Villas-Boas abriu a dentadas e unhadas, mas com toda delicadeza, o pacote de livros enviado pela Sesi-SP Editora e descobriu novas edições da obra de Eduardo Alves da Costa: CEM GRAMAS DE BUDA e A SALA DO JOGO, volumes de contos em reedição, e o poema longo BALADA PARA OS ÚLTIMOS DIAS, trabalho mais recente do autor.
Eduardo é um escritor fundamental, niteroiense que passou a maior parte da vida em São Paulo, revelado, como Roberto Piva e Carlos Felipe Moisés, pela clássica ANTOLOGIA DOS NOVÍSSIMOS (1961), e autor do famoso poema NO CAMINHO COM MAIAKOVSKI_ que de tão bom foi equivocadamente mas muitas vezes tomado como criação do poeta russo. Infelizmente e injustamente, Eduardo andava meio esquecido, mas Rodrigo Faria e Silva, na Sesi, e Ibraíma Tavares, na Alaúde, que lançou no ano passado o romance TANGO, COM VIOLINO, estão trazendo-o de volta à cena literária.

Somente a sensibilidade de Rodrigo para publicar A BALADA PARA OS ÚLTIMOS DIAS, um poema épico de 130 páginas que fala da destruição do planeta entregue à sanha assassina da espécie humana. Diz o poeta: “Enfermo o homem, adoeceu a Terra.” Uma impactante, fortíssima, eloquente narrativa poética do fim dos tempos, que agora pode ser lida também com um foco nacional; é também e especificamente do Brasil que se fala.

Sabiamente, Nelsinho sugere a reprodução aqui de alguns trechos para que os seguidores da VB&M tenham ideia do grau de realização estética de que estamos falando:

Nem de fome nem de loucura
morreu Van Gogh:
Mataram-no os corvos
a esvoejar sobre os trigais.
Lançou-lhes o Pintor uma pergunta
E se puseram todos a crocitar:
Nunca mais! Nunca mais!
E em linguagem cifrada,
qual agouro desfraldado sobre
o amarelo da tela derradeira,
ficaram, à sua maneira, a parolar
sobre futuras ocorrências fatais.
……………..
Não foi a brincar que Nietzche
anunciou a morte de Deus.
Se olharmos bem, Deus já não há,
ao menos cá, neste lado da Eternidade.
Não só o matamos nós, a patadas,
como o deixamos a sangrar, à luz
do dia, pasto de moscas e zombaria.

E vago o trono, posto Deus a nu,
sentamos lá o traseiro humano.
Deus morto, Deus posto, como se dizia
no tempo em que abatíamos os deuses
quando nos apetecia.
………………

Não só assassinamos Deus como
de seu Filho Divino fizemos um produto,
vendido a poder de reclame
retalhado nos balcões feito salame.

Nenhum ação na Bolsa de Valores
ou em outro qualquer museu
de horrores _ e estou seguro
quando vos digo isto _ subiu
tanto quanto as da indústria
e do comércio de Cristo. Um ramo
de vertiginoso progresso, de espantoso
incremento, fundado em capital
insignificante: singela Bíblia
e o mais vulgar atrevimento.
………………………………….

Não sabemos, ao certo, quando decidiu
o homem transformar a Terra num deserto.
Mas as sementes dos ingentes
esforços para aniquilá-la, que hoje
se tornam tão patentes, foram lançadas
à mente humana pela serpente ainda
no Paraíso. A expulsão, a malfadada
Queda que nos lançou como cadente
seta às plagas deste planeta,
já nos encontrou modificados; prediletos
filhos abastardados pela autoexclusão
da Luz, que não só iluminava
nossas almas, inocentes e calmas,
como as mantinha aquém da linha
divisória entre o ser e o não ser.