O CAMINHO NADA TORTO DE UMA EDITORA

Ana Paula Hisayama é daqueles nomes que todo mundo já ouviu falar no mercado editorial. Foi responsável pelo departamento de Direitos da Companhia das Letras por anos a fio, onde construiu sólida reputação entre agentes e editores internacionais, atuou brevemente como agente literária e, com André Conti, Flávio Moura e Leandro Sarmatz, fundou a todavia, que completa quatro anos neste mês de julho. Nesta Conversa Com (A) Gente, Ana Paula comenta sua trajetória e o sucesso da editora; tenta explicar o fenômeno “Torto arado”, de Itamar Vieira Jr., que vendeu mais de 180 mil exemplares desde sua publicação em 2019; fala do lançamento de PERIGOSAS SAPATAS, um clássico contemporâneo das HQs, romance em tiras de Alison Bechdel; e compartilha algumas de suas leituras.

VB&M: Em julho, todavia completa quatro anos. Qual o balanço que você faz dessa trajetória? Quais as principais lições, o que permanece e o que pode mudar, próximas perspectivas?

APH: Em geral permanece a vontade de trabalhar com os autores e publicar boas histórias, promover bons debates, contribuir com a cena cultural e dar uma luz maior a livros que foram perdendo espaço nas livrarias e na cabeça das pessoas. Em quatro anos, deu para ver que o caminho que pensamos existe, e que temos muita companhia, e deu para ver também que ainda há muito o que fazer para ampliar o catálogo em outras direções e chegar a mais pessoas. Fora isso, continuamos tentando dar conta do nosso mundo que mudou demais nesse período.

VB&M: Conte-nos um pouco sobre a estrutura do Editorial e de Direitos na todavia. Como se dá a divisão do trabalho entre você, André Conti, Flávio Moura e Leandro Sarmatz?

APH: Há um trabalho comum de procurar livros que envolve, entre muitas coisas, conversar com bastante gente, principalmente autores e colaboradores, analisar o material farto que nos chega de agências e editoras e que termina com a compra dos direitos. A partir daí, eu fico com a parte de direito autoral (por exemplo, contratos, pagamentos, subsidiários) e os rapazes cuidam de fazer os livros.

VB&M: Como vocês definem o peso de cada segmento literário na programação da editora? Quanto de ficção brasileira ou estrangeira, quanto de não-ficção, quadrinhos e poesia?

APH: A programação da todavia é composta de 50% de livros brasileiros e 50% de estrangeiros, 50% de ficção e 50% de não ficção. Mas dentro dessas partes, em proporção menor, publicamos as HQs (livros que demandam mais tempo em praticamente todas as etapas) e, um pouco menor ainda, a poesia.

VB&M: O que você trouxe para a todavia de sua longa experiência na área de Direitos da Companhia das Letras? Da breve experiência como agente literária, alguma lição ou comentário?

APH: A Companhia me apresentou a uma turma muito incrível que inclui autores, ilustradores, colaboradores, agentes e editores, e muitos outros profissionais que trabalham em torno do livro a partir de um catálogo excepcional. E a agência me mostrou um lado que já conhecia do mundo editorial mas por outra perspectiva, foi super rico. Como co-agente, os catálogos de editoras e outras agências se multiplicam infinitamente. Você não olha mais para os livros da sua lista e sim para as listas de muitos editores, que têm interesses às vezes completamente diferentes. E descobri que quando os editores dizem que conhecem bem os autores, tenho segurança em afirmar que os agentes conhecem melhor! Tudo isso combina super bem com a todavia, que é muito a soma da experiência da equipe em lugares variados e resulta num tempero de que a gente gosta muito.

VB&M: Uma pergunta incontornável a todo profissional da todavia hoje em dia diz respeito ao fenômeno “Torto arado”, um livro que antes de ser publicado parecia uma aposta de vendas nada óbvia. Qual a história dessa contratação, quais as expectativas da equipe, como foi acompanhada a trajetória do livro e como você explica tanto sucesso e acolhimento ao romance de Itamar Vieira Jr?

APH: Esperávamos que o livro fosse bem acolhido, mas de fato não prevíamos vender mais de 100 mil exemplares num período de seis meses. Leandro comprou o romance e é o editor do Itamar, e sempre acreditou muito no potencial de “Torto arado”. O romance vendeu dez, quinze mil exemplares no primeiro ano, o que é excelente. A Cintia, do departamento comercial, leu o livro ainda na edição portuguesa e ficou muito entusiasmada. Reação semelhante logo vimos nos livreiros, que trabalharam muito pelo livro do Itamar muito antes desse boom.

Como explicar o sucesso? A fórmula do “Torto arado” é bem simples: uma história familiar com que todos podem se identificar; valores e sentimentos facilmente reconhecíveis (amizade, justiça, tradição, preconceito, terra); uma escrita muito cuidada e cativante; um lugar na trama que é específico e também universal; e, indispensável dizer, o talento e o carisma do Itamar.

VB&M: A Todavia se destaca na publicação de quadrinhos, que vêm crescendo muito no mercado brasileiro nos últimos anos. No seu rico catálogo nesse segmento, qual a importância de uma artista como Alison Bechdel, de FUN HOME? O investimento da Todavia é grande, apostando não só em novos livros, como THE SECRET TO SUPERHUMAN STRENGTH, recém-lançado em língua inglesa e aclamado pela crítica, como no fundo de catálogo, com O ESSENCIAL DE PERIGOSAS SAPATAS, que em breve vocês colocarão nas livrarias brasileiras.

APH: O André é editor de quadrinhos (entre otras cositas más) e não podia faltar HQs na todavia. E falar da Alison Bechdel é muito fácil, que artista fenomenal ela é! Vocês sabem que os três livros que compramos estão entre os primeiros contratos da editora, o André inaugurou o email @todavialivros.com.br com uma mensagem para vocês ainda a uns quatro meses da publicação dos primeiros livros (na Flip de 2017). FUN HOME teve uma primeira edição traduzida pelo André, que foi republicada na todavia em 2018. PERIGOSAS SAPATAS é um ‘romance em tiras’ de 2008 que segue delicioso e muito atual, como acontece com muitos dos muito bons livros. E não vemos a hora de lançar o livro novo, estamos acompanhando a imprensa americana e, sem surpresa alguma, é superlativa.

E tenho que dizer que atividade física é um assunto delicado para várias pessoas na todavia.

VB&M: Quais foram os livros mais importantes para a sua formação? Quais são suas preferências pessoais de leitura?

APH: Para minha formação como leitora são de muitos e variados tipos, mas eu começaria por Monteiro Lobato, gibis, clássicos juvenis como “Os três mosqueteiros”, “Ivanhoé”, “Viagens de Gulliver”, “O morro dos ventos uivantes”, Jorge Amado, Agatha Christie, contos de Allan Poe… Sou louca por livro, leio um pouco de tudo. Minhas últimas compras foram, por exemplo, um livro sobre plantas, um de técnicas de cozinha, um quadrinho coreano, um livro de crochê moderno, o romance novo do Marçal Aquino e o livro mais recente da Ana Martins Marques (esse ainda não chegou!).