O DIVÃ DO BUDA

Narrativas & Depoimentos publica trecho de indispensável lançamento deste mês da Vestígio, TERAPIA ZEN: QUANDO A PSICOLOGIA E O BUDISMO SE ENCONTRAM NO DIVÃ, do conceituado psiquiatra e autor bestseller americano Mark Epstein. Já em pré-venda, traduzido por Elisa Nazarian, o livro leva o leitor para dentro do consultório de Epstein, que mostra na prática como o casamento da psicoterapia e da meditação vem sendo importante nos processos de cura e autoconhecimento de seus pacientes. Com a primorosa edição de Arnaud Vin e Bia Nunes, esse livro há tocar os leitores brasileiros e repetir o mega sucesso de TALVEZ VOCÊ DEVA CONVERSAR COM ALGUÉM, de Lori Gottlieb, lançado pela Vestígio em 2020.

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Parte Dois: Um ano de terapia
Capítulo Seis: Outono

Como terapeuta, aprendi a prestar muita atenção nos detalhes íntimos da vida das pessoas para ajudá-las a decifrar o mistério de quem e o que elas se tornaram. Mas, como alguém que medita, aprendi que a experiência não é tudo. Com a mesma facilidade, ela pode tanto esconder uma verdade quanto revelá-la. Esse é o paradoxo com que tenho me deparado ao juntar esses dois mundos. A terapia tradicional destrincha para fazer sentido. A meditação pede para pararmos de fazer sentido, de modo a descobrir onde realmente reside a felicidade. A terapia examina o self acumulado, aquele que é moldado por todas as defesas que usamos para viver. A meditação pede que nos despojemos dessas mesmas defesas, de modo a recapturar a vitalidade original e intrínseca com a qual nascemos.

Todos nós estamos feridos de alguma maneira. Ninguém sai daqui vivo. Todos nós somos afetados pela sociedade, pela escassez, pela pressão dos colegas, pela insensibilidade de familiares, amigos, namorados, namoradas, colegas de escola, companheiros de equipe, professores, treinadores, médicos, policiais ou padres. Todos nós temos uma mente que procura atribuir culpa. Mas, por mais importante que seja entender as origens e os detalhes do nosso sofrimento, raramente só esse entendimento basta. Meus pacientes vêm à terapia querendo se livrar do peso de sua experiência acumulada. Sim, eles querem dar sentido à própria vida, mas em geral não é o principal nem o único objetivo. Acima de tudo, eles estão tentando superar traumas acumulados para se sentirem menos amedrontados, isolados, abandonados, indefesos, sozinhos, ansiosos ou deprimidos. É possível que não consigam dizer isso com tanta clareza, mas estão tentando alcançar coisas além do pensamento, tentando manter contato com qualidades essenciais que têm sido sacrificadas no esforço para se adaptar, se ajustar, corresponder, suportar ou se conformar.

À medida que os dias quentes de verão deram lugar às noites frias de outono, uma coisa foi ficando cada vez mais clara para mim. A raiva era a emoção subjacente que segurava muito dos meus pacientes em sua oscilação. Embora tivesse começado a pensar nisso logo depois da minha sessão de dezembro com Anne e de meu encontro de fevereiro com Violette, agora passara a ser o centro das atenções. Às vezes, a raiva se manifestava em pensamentos, ou ações, autopunitivos dos pacientes; outras vezes, ficava aparente para mim em nossas conversas, mas não óbvia para eles; e outras vezes ainda, aparecia escancarada nos relatos sobre seus relacionamentos íntimos. No entanto, independentemente do quanto eles pudessem ser atentos e criteriosos, independentemente do quanto conseguissem escavar de seus traumas infantis, se eu não pudesse ajudá-los em seu relacionamento com a raiva, a terapia deixaria a desejar.

Mas a raiva é um assunto ardiloso. Algumas pessoas negam completamente seus sentimentos de raiva, enquanto outras tentam, por reflexo, contrapô-los com pensamentos amorosos. Outras ainda, como demonstram meus pacientes com superegos punitivos, voltam sua agressão contra si mesmos, em vez de expressá-la externamente. E muitas pessoas, como sabemos, permitem-se ser dominadas por seus pensamentos críticos, ou sua raiva interior, justificando hipocritamente suas palavras ou ações destrutivas. Na terapia, assim como na meditação, é tentador demais cair na armadilha que D. H. Lawrence ressaltou em seu poema da cobra, vendo a raiva como o inimigo e golpeando-a com um bastão. Mas atacar violência com violência, não importa o quanto a motivação seja genuína, em geral não resolve o problema. É o que Lawrence demonstrou em seu poema, ao sugerir que, na verdade, havia uma alternativa, aquela que estava ali em seu fascínio inicial, antes que seu julgamento racionalizado interviesse. Quanto há para aprender com os reis destronados do submundo! Nessa visão, Lawrence estava muito de acordo com o Buda e Winnicott, que acreditavam que a agressão, quando observada corretamente, podia se tornar uma força para o bem.