Leio três livros neste momento. Dois considero da mesma linhagem. São de autores nem um pouco cerebrais, desses que se lançam em mar profundo, sem medo de bater a cabeça contra uma pedra ou um navio enferrujado. O primeiro deles, A débil mental, de Ariana Harwicz, argentina que hoje mora na França (Editora Instante, 92 págs.), é uma obra que merece ser lida com todos os sentidos. Conta a história de uma filha e sua mãe. É trágico, é engraçado. Adoro o palavreado usado pela autora; isso mesmo, o palavreado, e não o vocabulário, aliás, muito bem pensado pela tradutora Francesca Angiolillo. Em alguns momentos tenho a impressão de que leio inéditos da Ana Cristina Cesar. O charme da escrita da Ariana me lembra muito A teus pés, da Ana Cristina.
O segundo, Nunca mais voltei, de Alexandre Willer (Folhas de Relva Edições, 145 págs.) foi editado por mim e eu o estou relendo para uma reimpressão. A reunião de contos traz sujeitos de sexualidade discordantes, dúbias. É um livro de temática LGBTQ+, mas o autor consegue ir além de classificações, também não tenta invocar o espírito do Caio Fernando Abreu ao escrever. Ele olha cinicamente, com solidariedade, até de forma niilista, episódios da vida cotidiana que acontecem em pontos de ônibus, numa igreja, num aeroporto, dentro da casa da gente, quando nos pegamos a sós em momentos à meia luz.
O terceiro livro é de outra época. Balzac, biografia do autor francês escrita por um par, o austríaco Sfetan Zweig (Editora Delta, 442 págs.). Foi publicado no Brasil em 1953, com tradução de Odilon Gallotti. Foi indicado por Rodrigo Naves, meu professor no curso de História da Arte. O vocabulário é pomposo e chato (chato mesmo!); isso dificulta a leitura. Mas a vida de um mestre contada por outro é fascinante. Fiquei besta ao saber que, no início da carreira, Balzac criou uma espécie de indústria de escrita e publicação de livros, em que empregou toda a família. Já em idade mais madura, para dar continuidade à loucura em que se embrenhou, tomava litros e mais litros de café madrugada afora. Virou conhecedor da bebida, torrava grãos, moía-os numa máquina desenhada especialmente para ele, adorava falar sobre os benefícios desse hábito. Me parece que morreu de úlcera (se fosse viciado em álcool talvez tivesse morrido antes). Bem, mas ainda não avancei tanto na leitura, mas é um livro que me parece essencial sobre a história da literatura. Disponível a preço de um cafezinho de botequim na Estante Virtual.
Alexandre Staut é autor de PARIS-BREST (Companhia Editora Nacional) e editor da Folhas da Relva.