Nelson Villas-Boas adora a comida do Antiquarius. É mais um ponto de concordância entre ele e o pai, o advogado Raymond Moss: restaurantes do Rio têm que ser os mais populares, tipo a lanchonete Bibi, que ambos acham o máximo, ou então aqueles que botam para quebrar nos preços. Entre estes, Antiquarius e Esplanada Grill são os preferidos.
Problema para o Nelson é que, ao contrário do que se passa no Bibi (e na Bottega del Vino, no Quadrucci, Origami, Jobi, Veloso, Diagonal e Sushi Leblon), ele conhece apenas a comida do Antiquarius, umas tantas vezes surrupiada da bancada da cozinha, não o ambiente do restaurante. Teve um arroz de pato para ele inesquecível. Mas ele nunca pôde frequentar o lugar, sua presença não é permitida.
Uma única vez Nelson entrou naquele recinto de acepipes dos deuses. Estava fazendo sua caminhada noturna com a mãe, a Luciana Villas-Boas, passou em frente ao restaurante e com seu poderoso narigão sentiu um cheiro irresistível; forçou a entrada em disparada. Muito inadequadamente vestida, Luciana teve que ir atrás do filho, toda avacalhada naquele ambiente chique, morrendo de medo de encontrar algum conhecido. Nelson acabou arrastado pelo maitre de uma mesa onde rapidamente fizera alguns amigos e dos quais esperava interessantes bocados.
Tudo bem, ele compreende que sua presença não seja tão bem vinda em ambientes fechados. Mas não dá para aceitar quando se sabe da ida do Eduardo Cunha ao Antiquarius, onde foi hostilizado por outros clientes mas defendido pelo pessoal do estabelecimento. Ficou indignado. Como assim um canino idôneo e de sabido bom caráter não pode entrar, enquanto uma lacraia ladrona é defendida pelo maitre? Indignação agravada no dia 31 de dezembro quando sua família foi injuriada pela presença de um certo advogado no Antiquarius.
Nelson pediu para dar um depoimento para o blog e que se enfatizasse que só o faz como introdução a outra postagem sobre assunto muito sério, o “Manifesto dos Advogados que Cobram de R$ 3 milhões a R$ 15 milhões de Honorários dos Maiores Bandidos da Nação”, veiculado com 104 assinaturas nos mais importantes jornais. Ele não está aqui para fazer crítica gastronômica e de restaurantes, e sim para analisar a conjuntura nacional e internacional. Fala Nelsinho!
“Meus pais escolheram o Antiquarius para a almojanta de fim de ano dizendo que era perto da agência e não haveria outros restaurantes abertos onde eu e minha filha, Maria Augusta Sader, pudéssemos ir. Tivemos que ficar do lado de fora, mas Deus é justo e nossa vingança – minha e de Guta – não tardou. Contarei aqui o que se passou exatamente como me foi relatado por eles, mamãe e papai, com algumas pequenas interferências minhas, porque mesmo do lado de fora meu ouvido capta tudo o que é dito em um recinto, inclusive atravessando obstáculos como paredes e muros. Tenho alguma contribuição a dar nesse episódio. Poucos humanos têm compreensão precisa de minha capacidade auditiva.
Assim que entraram, meus pais deram de cara com uma mesa redonda de umas seis pessoas com dois sujeitos bem esquisitos, um perturbador quadro de Bosch. Um deles, minha mãe conhecia; um tipo Nestor Cerveró mas bem piorado, se é possível, jornalista e político pedetista que teve um dia sua fama, Sebastião Nery. Minha mãe se lembra dele porque uma vez o tal sujeito vendeu para meu avô, Augusto Villas-Boas, um terreno que não existia de um suposto condomínio em Arraial do Cabo chamado Terramares de Quiçamã. Vovô sentiu pena do cara, pensou que ele estava chegando sem grana do exílio e comprou. Minha mãe, muito novinha, na tenra adolescência, adorou a ideia, sonhou muito com uma casa na praia e ficou desapontadíssima quando soube que não havia terreno algum, era tudo um esquema. O outro tipo estranho na mesma mesa do restaurante, um coroa na faixa dos 50 (bem mais jovem que o Nery, claro) com um cabelão nojento, pareceu familiar a Luciana, mas ela não conseguiu por nome na figura.
‘Que gente esqusita, desagradável’, traduzo aqui o comentário de minha mãe para meu pai, que batera o pé sobre a última refeição do ano ter de ser no Antiquarius. O maitre sentou-os relativamente perto da mesa que poderia estar retratada em um quadro de Bosch, e durante todo o almoço eles sentiram-se incomodados porque aquele pessoal falava muito alto. Em determinado momento, o cabeludo pegou o celular e gritou: ‘Saiu!’ Outros da mesa festejaram no mesmo diapasão: ‘Parabéns, Kakay!” Finalmente, para minha mãe, caiu a ficha; tratava-se do Advogado-Mor dos Grandes Ladrões da Nação, Antonio Carlos de Almeida Castro, o notório Kakay.
Minha mãe ficou transida de ódio. Todo mundo sabe que ela anda obcecada com o Brasil, com a destruição de nossa Pátria pelos gafanhotos petistas mancomunados com a mais ladrona e escrota oligarquia dos negócios brasileiros, os bandidos históricos da Nação que um governo socialista deveria ter posto para correr mas que viraram os irmãos de sangue da canalha do PT. Ela se levantou vermelha dizendo para o Raymond que não podia ficar mais um minuto na vizinhança daquela gente.
(Aqui entre nós, Raymond e eu achamos que Luciana está um tanto maluca com essa história. Papai se preocupa, diz que desconhece outro brasileiro mais afetado pelas revelações da Lava-Jato do que ela. Eu explico, digo a ele que compreenda e dê um desconto, pois evidentemente se trata de culpa por ter votado quatro vezes no Lula. Mamãe precisa voltar para seu antigo analista, Arnaldo Goldenberg, a fim de resolver isso. Não quero que meu pai interne minha mãe em um manicômio de Atlanta.)
Raymond disse que não deixaria que seu almoço fosse interrompido por causa de um bandido ou outro e pediu que ela explicasse o que estava acontecendo. Luciana confessou então que naquela virada do ano sua ideia-fixa era que os gângsteres da Lava-Jato não poderiam ter direito a passar o Natal em casa. Não pensava em mais nada; quando caía em seus longos silêncios, que tanto dão nos nervos de papai, era isso que lhe passava pela mente. A maior preocupação era o Marcelo Odebrecht, que, felizmente para a saúde mental dela, para minha família e para o Brasil, ainda está em cana. Se o Kakay gritou ‘Saiu!’, isso queria dizer _ explicou mamãe ao Ray _ que o Odebrecht fora solto, o que justificaria plenamente sua reação intempestiva.
Outro esclarecimento: minha mãe é do tipo que promete que não vai reagir no próximo assalto e sempre reage. Tem uma sorte danada, mas jamais ela poderá portar uma arma. Quando se sente ultrajada, simplesmente não se contém e, juro, é melhor não estar por perto.
Aqui me adianto para contar que Luciana, tendo que fazer uma pequena cirurgia no dia 4 de janeiro, passou o Dia da Paz e os seguintes pesquisando na internet o nome do ladrão liberado para chegar à conclusão que provavelmente o que saíra para o Kakay fora alguma grana, decerto com origem na roubalheira devastadora de uma empresa pública brasileira. E ela saiu da anestesia perguntando se o Odebrecht continuava no Pavilhão 6, vejam que louca.
Voltando ao Antiquarius: minha mãe pediu para meu pai mudar de lugar e ficou fotogrando o advogado dos bandidos, compulsivamente, sem saber para quê. Diz o Ray que os caras perceberam o transtorno dela e saíram rapidinho. Meu pai insistia sobre o fato de o sujeito ser só um advogado, não exatamente um bandido. Se fosse um Odebrecht qualquer ou um político petista envolvido nas roubalheiras, Ray até daria força para ela soltar um impropério, mas não era o caso. Só que depois, diante do “Manifesto dos Advogados que Cobram de R$ 3 milhões a R$ 15 milhões de Honorários dos Maiores Bandidos da Nação”, traduzido para ele no dia 16, meu pai disse que, estivesse a par do documento a 31 de dezembro, teria compreendido bem melhor um rechaço enfático, violento até, da minha mãe àquele esqusitão do cabelo sujo.
Aqui entra o meu ouvido tão poderoso quanto meu nariz. Digo a meus pais, e eles não me acreditam, mas pude entreouvir a conspiração sobre a redação do manifesto dos advogados de ladrões. Luciana e Ray dizem que as datas não batem, naquele momento ainda havia esperança de Odebrecht ser solto, não seria possível que o Kakay já estivesse elaborando a carta, mas tenho certeza disso. Por isso, dediquei-me a estudar e conversar por longas horas com o Ray, experiente advogado de casos de ‘whistleblower’ nos EUA, uma legislação americana espetacular que visa a defender o dinheiro dos cidadãos no Tesouro público, a fim de desenvolver minhas ideias, que agora as tenho muito claras, e algumas considerações sobre o manifesto dos advogados dos ladrões dos brasileiros. Este post aqui é só para criticar os restaurantes que preferem em seus recintos lacraias ladronas e advogados milionários dos bandidos mais deletérios ao Brasil a cachorros idôneos, mas me aguardem sobre o manifesto. Já deixo a pergunta de abertura: onde estavam esses advogados quando a Justiça brasileira fazia mofar nas penitenciárias criminosos perrapados, às vezes com a pena já cumprida, imagine falar de habeas corpus, em celas desumanamente lotadas, como, aliás, ainda acontece? Só reclamam da Justiça quando ela pune quem pode pagar honorários de R$ 3milhões a R$ 15 milhões? Estranho, né?”
Aguardaremos seu post, Nelsinho.