RETROSPECTIVA DE FRANKFURT

Hoje faz um mês do (meu) último dia na feira de Frankfurt este ano. Foi o tempo que levei para escrever um post sobre o evento, o mais importante do calendário editorial para quem compra e vende direitos de publicação de livros, e a cada ano mais exaustivo para nossa pequena agência que vem crescendo bastante nos últimos tempos, mas ainda não o suficiente para dispor de mais braços que ajudem na tarefa hercúlea de viver de e empreender com literatura no Brasil.

Fui sozinha à última feira e não recomendo. O volume de trabalho antes, durante e depois, é impossível de descrever para quem não vive essa experiência. Na feira, a energia social demandada é tão grande, e o volume de informação, tão insano, que faz falta ter uma dupla com quem dividir a missão. Somando isso às pouquíssimas horas dormidas e a todos os álcoois misturados, centenas de conversas empreendidas, gente nova sendo conhecida, não surpreende precisar de um mês para me recuperar de uma semana. Agradeço à LVB pela compreensão e prazo prolongado para entrega deste post-relatório.

Foi exaustivo, mas divertido. Eu, pelo menos, sempre me divirto nesses ambientes. Depois de13 anos de feiras, já deu tempo de fazer vários amigos _ de trabalho e de vida.

Foi uma excelente feira para a agência. Celebramos novos clientes recém assinados, como a tradicionalíssima editora Fischer, crush antigo, uma das poucas estrelas do mercado alemão que ainda não estavam conosco, e conquistamos outros, como a francesa Bayard Graphic, um dos pilares do mercado editorial francês em HQs e literatura infantil e juvenil. Estabelecemos novas parcerias de coagenciamento em territórios importantes onde estávamos descobertos, como China, Taiwan e o Sudeste Asiático, e iniciamos conversas em outros, como Alemanha e países árabes. Vendemos para tradução títulos importantes de nossos autores: para a Manuscrito, em Portugal, o novo romance de Fabiane Guimarães, A LINGUAGEM DOS DESASTRES, ainda a sair no Brasil pela Alfaguara, em março de 2026; para las afueras, na Espanha, o romance TRISTE NÃO É AO CERTO A PALAVRA, de Gabriel Abreu, publicado pela Companhia das Letras e, na Itália, pela Sur, depois de vencer o prêmio dessa editora para a melhor estreia latino-americana; e as reportagens do jornalista argentino Gustavo Sierra, BERLINER e LOS DULTSEV, para a Polônia, esta última a sair também pela Planeta-Br e em Portugal pela Europa-América. Vendemos para Brasil e/ou Portugal diversos títulos de nossos clientes estrangeiros, como Trellis, Les Arènes, Podium, BAM, Zando, Brandt & Hochman, Joy Harris, Fischer, Seven Stories Press, KiWi, Rowohlt, Piper, Michael Gaeb, Otago, Leduc, Ella Sher, Mauri Spagnol, 2 Seas e PNLA.

Ainda deu tempo de fazer novos amigos, reencontrar antigos, ir a diversos coquetéis, jantar bem e bem acompanhada todas as noites, e participar de muito mais festas do que eu aguento. Fiz muita social, falei vários idiomas, perdi a voz, dormi pouco e mal. Aquela sensação de estar numa rave do livro.

Ao fim da sexta-feira, já não era ninguém, e ao sair do pavilhão para dar um power nap no hotel, me deparei com uma minifeira literária palestina bem em frente à saída do Messe e ao ponto do tram _ aquela área em frente ao histórico prédio onde milhares de judeus ficaram presos antes de serem deportados para campos de concentração durante a II Guerra Mundial. Dura chamada da história para sair da ficção e cair na real da bárbara crise da contemporaneidade.

Aparentemente, foi uma boa feira para os brasileiros em geral. Diga-se que os editores brasileiros sempre se revelam mais animados e otimistas em Frankfurt do que em casa. Estávamos bem-humorados_ pela primeira vez em muitos anos não figurávamos nos trending topics de sandices do noticiário internacional, e aos trancos e barrancos nosso mercado vai se recuperando; todo mundo trabalha demais, sim, mas isso é generalizado, efeito do capitalismo tardio, não há muito a fazer, e não afeta só a gente. Há muito para celebrar: os romances românticos e muitas vezes picantes voltaram com tudo; a romantasia segue forte e vendendo bem; continuamos publicando com atenção a literatura brasileira, investindo em casa para então pensar em viajar, fazendo o trabalho direitinho.

Apesar das quedas nas taxas de leitura, as vendas caem mais contidamente, talvez quem lê esteja lendo mais, ou comprando mais livros, mas desconheço as pesquisas que possam embasar essa tese. A ficção mais literária ou de nicho também ganha visibilidade com as redes sociais, as editoras aprendem a encontrar seu público e publicar para ele, de forma mais eficiente do que se fazia até a pandemia; e as pequenas e médias livrarias de bairro se proliferam nas capitais, mas não só nelas. Ler é cool de novo, e ninguém melhor que o brasileiro para entender de moda e de surfar as ondas da internet, para o bem e para o mal.

O brasileiro bem-humorado não tem para ninguém, como todos sabemos. Desde a volta do presencial que a famosa vida noturna da feira não andava lá essas coisas, fazer festa boa com tanta gente misturada e aleatória não é fácil, e acho que o povo perdeu um pouco o jeito, ou talvez nunca tenha tido. Mas o fato é que no Brasil não tem isso, e bastam duas pessoas empolgadas com uma veia produtora _ nesse caso, Fernanda Diamant e Ricardo Teperman _ para organizar um festão aberto e bombado, em plena quarta feira, com a ótima discotecagem do próprio Teperman, e assim mostrar aos gringos que festa no Brasil é coisa séria. O nome não era esse, tinham pensado em algo relativo ao Sul global, mas para não polarizar com relação aos anfitriões do Norte, foi chamada Shake at Shuka, numa brincadeira com o nome do bar, mas ficou conhecida como a festa brasileira, “the Brazilian party”. Obviamente foi considerada a melhor da feira, e Fernanda e Teperman têm que manter isso aí, parafraseando o Temer para o bem.

De volta, exercício, sono, alimentação saudável e o trabalho todo em dia, post escrito, é hora de combinar com a Luiza Lewcowicz o melhor dia para levar o Alexandre para tomar um vinho no Los Perros. Combinado é combinado, e um vinho com o Joca (meu cachorro e assistente), não se nega a ninguém; ao tio Alexandre, jamais.