UM LUGAR ESPECIAL NO MERCADO DO LIVRO

Miguel Sader

Quando estourou a pandemia no início de abril, Luciana Villas-Boas escreveu um artigo para a Fundação Joaquim Nabuco afirmando que, em 2020, mesmo no Brasil, era melhor estar no negócio do livro do que no da aviação. Agora a pergunta é: no mercado editorial brasileiro, há lugar melhor para se estar do que em um clube do livro? Gustavo Lembert, sócio-fundador da TAG – Experiências Literárias, o maior e mais bem sucedido clube por assinatura do país, nos ajuda a responder esta pergunta. Na Entrevista desta semana, trocamos uma ideia sobre o funcionamento desse modelo de negócios, os desafios e oportunidades do contexto atual, a criação do novo selo voltado para o mercado corporativo e mais.

VB&M: A pandemia afetou o funcionamento do clube do livro?

GL: Tem os aspectos universais, claro, aos quais tivemos de nos adaptar: toda a equipe das áreas administrativas está trabalhando de home office, enquanto o pessoal que fica no operador logístico faz revezamento. Estamos providenciando condições mais seguras para quem tem de ir ao pavilhão e apoiando quem está em casa a lidar melhor com este momento, inclusive ajudando no ambiente de trabalho, aquisição de móveis adequados etc. Mas isso tudo é “por trás das cortinas”. As principais mudanças não chegam aos associados. A maior adaptação do ponto de vista dos clientes foi que, devido a toda a incerteza com as entregas, tivemos de oferecer versões digitais para nossos livros e promover uma série de conteúdos online também, o que acabou sendo muito legal e gerou um engajamento bastante alto. O futuro próximo segue difícil de prever, mas eu diria que já estamos mais adaptados, conseguindo operar normalmente.

VB&M: Qual a maior oportunidade estratégica criada pelos novos tempos? E o maior desafio?

GL: Hoje é muito mais fácil prever comportamento das pessoas. Não há grandes opções de lazer na rua, então os momentos livres estão dedicados a atividades caseiras – filmes, séries, músicas, jogos, livros, redes sociais. Além disso, o consumo está se dando majoritariamente pela internet. O que eu posso oferecer que fará as pessoas mais felizes em suas casas? Essa é uma grande oportunidade. No caso da TAG, vimos que oferecer conteúdos de qualidade – e de maneiras diferentes – para incentivar as pessoas a lerem mais está dando certo. E quanto mais as pessoas leem, mais elas veem sentido em permanecer no clube. Não é à toa que lançamos um novo selo agora, a Grow, nosso clube de livros de negócios. O desafio é descobrir como se destacar entre milhares de outros incentivos que já temos todos os dias, essa enxurrada de informações que aparece em qualquer momento que abrimos nosso celular, computador ou televisão. Por mais que o comércio eletrônico esteja bombando, também há um esgotamento do interesse por parte do consumidor.

VB&M: Já que você falou da criação da Grow, o novo selo de business da TAG… Qual é a sua visão sobre a literatura de negócios?

GL: Quando começamos a discutir possibilidades de gêneros para um clube de livros, lá em 2013, o universo empresarial sempre nos pareceu interessante por carecer de curadoria de qualidade. Em nossa formação como empreendedores, sempre encaramos livros de negócios como muito mais do que simples passos para o sucesso. Eles podem – e devem – transformar a maneira como você pensa sua organização, seu mercado, sua carreira. Sete anos depois, vem a Grow: queremos promover discussões relevantes para ajudar a capacitar o mercado de trabalho brasileiro, partindo da leitura de temas que fujam do senso comum e aprofundando esse conteúdo em materiais extras, como nossa MasterTalk, que terá sempre a participação de alguma pessoa relevante na sua área de atuação discutindo os principais temas do mês. O primeiro kit conta com a participação do CEO do Rock in Rio e o segundo com a presidente da Microsoft Brasil. Estamos bem animados!

VB&M: Pode-se dizer que o clube do livro é um modelo de negócio especialmente equipado para enfrentar uma era pandêmica?

GL: Houve um movimento muito forte de transferência de consumo para o ambiente online. Praticamente todo comércio teve de se adaptar a essa nova realidade e os clubes acabaram se beneficiando por já estarem bem posicionados digitalmente. Além disso, acredito que os clubes têm uma vantagem em relação ao varejo tradicional por trabalharem muitas questões que não apenas a venda: quem é que não está sentindo falta do calor humano, de conversar com pessoas diferentes, diferenciar um dia do outro, ter momentos mais marcantes? Pois os clubes costumam trazer isso em sua proposta de valor, a comunidade de leitores, a surpresa, a brincadeira, a ansiedade pela próxima caixinha. Estamos sentindo um aumento no interesse por esse tipo de experiência.

VB&M: Você acredita que a tendência daqui para a frente seja um crescimento do hábito da leitura ou ao menos sua valorização?

GL: Olha, não quero me precipitar com apenas cinco meses de experiência. Resultados passados não garantem resultados futuros, é claro, mas eu acredito que sim, uma das poucas coisas boas que a pandemia trouxe foi fortalecer, para muita gente, o hábito da leitura. Todo mundo teve de ressignificar seus momentos de lazer, e muitas pessoas felizmente estão recorrendo à literatura e surpreendendo-se com o quão benéfica e divertida ela pode ser. Acredito que, quando esse momento horrível passar, uma parcela das pessoas seguirá vendo os livros como os bons companheiros que são.

VB&M: Você tem alguma boa surpresa dos tempos de isolamento social para compartilhar conosco?

GL: É clichê, mas é verdade: adotei um cachorrinho e estou encantado. Ele transformou minha casa, não tenho nenhum dia igual ao outro! Mas falando em boas descobertas no campo literário, acabei de ler “Ride of a lifetime”, do Bob Iger, ex-CEO da Disney, e foi um dos melhores livros de negócio que li nos últimos tempos.

VB&M: O que vê como tendência de leitura para o futuro próximo _ em termos de gostos, de vendas, de escolhas dos leitores?

GL: Separei aqui três diferentes estilos: 1) A discussão sobre bandeiras ideológicas está cada vez mais presente no nosso dia a dia, então livros que trazem reflexões relevantes relacionadas a essas bandeiras, que reforçam a causa, devem ganhar espaço, como deu para sentir nas semanas subsequentes ao início da campanha Black Lives Matter. O que é ótimo, torço muito por uma maior presença feminina, LGBTQIA+, de pessoas negras e de outros grupos sub-representados nas nossas estantes – na TAG levamos diversidade a sério e o público valoriza. 2) Não sei nem se dá para chamar de tendência, pois já é uma realidade, mas as distopias devem seguir em alta por um tempo. Em livros de ficção científica e até em séries e filmes nos canais de streaming, é possível ver esse desejo humano por encontrar na arte representações do que estamos vivendo hoje. É impressionante o quanto tenho visto esse interesse crescer, o que é difícil de prever é se não haverá um esgotamento logo ali na frente. 3) Vejo que o fortalecimento do papel do influencer pode também ter impacto no mercado editorial, já que está cada vez mais forte e presente nos mais diferentes nichos, pessoas que constroem uma base muito grande de seguidores e servem como autores e canal de venda do próprio livro. Não é nada novo, diversos youtubers conquistaram números inacreditáveis de venda nos últimos anos. Muito do sucesso do “Seja foda” se deu assim também, mas eu vejo que cada vez mais estão surgindo pessoas cujo trabalho é ser um influenciador em determinado campo de atuação, e isso deve impactar a venda de livros também.