Yasmin Ribeiro
Na Alemanha e em todo o mundo, editores da obra de Anna Seghers se preparam para celebrar em 2022 o 80º aniversário do romance DAS SIEBTE KREUZ (A sétima cruz), considerado a joia mais preciosa de uma vasta produção autoral. A edição mais recente desse livro pela Aufbau foi traduzida em nove territórios — na França, a Metailié já conta 10 mil exemplares vendidos. Nos EUA, este mês, The New York Review of Books publica de Seghers a antologia de contos DER AUSFLUG DER TOTEN MÄDCHEN (A excursão das meninas mortas). Com o pensamento de extrema-direita se disseminando atualmente em várias partes do mundo, a poderosa obra antifascista de Anna Seghers tem ganhado ainda maior relevância.
Considerada um dos maiores nomes do panteão de clássicos modernos da literatura alemã, Anna Seghers fez sua estreia na literatura em 1928 com o romance AUFSTAND DER FISCHER VON ST. BARBARA (A revolta dos pescadores de Santa Bárbara), que narra a luta de trabalhadores contra um monopólio. Nascida numa família judia ortodoxa, na idade adulta aguerrida militante comunista, Seghers foi presa pela Gestapo em 1932, por causa de seu livro DIE GEFAHRTEN (Os companheiros), que alertava sobre os perigos do nazismo; em 1933 toda sua obra foi proibida na Alemanha. No ano seguinte, ela fugiu para Paris e, de lá, para a Cidade do México, onde fundou a agremiação antifascista Heinrich-Heine-Klub e escreveu muitos de seus livros mais relevantes. A obra inteira chega a reunir 30 títulos.
A SÉTIMA CRUZ foi publicado pela primeira vez em 1942 nos EUA e no México, onde a autora permaneceu exilada por seis anos. O romance narra a história de sete prisioneiros que fogem de um campo de concentração e são perseguidos por soldados nazistas. Ao recapturá-los, os soldados os crucificam. Quase todos são recapturados, exceto um deles, e a sétima cruz permanece vazia. A edição em língua inglesa teve extraordinária acolhida, tornando o nome de Anna Seghers conhecido no mundo todo. Em 1944, o livro foi adaptado para o cinema pelo diretor Fred Zinnemann. O romance chegou às livrarias alemãs somente após o fim da Segunda Guerra, em 1946, pela Aufbau, que publica a obra de Seghers até hoje.
TRANSIT, outro grande romance político e existencial, publicado originalmente em 1944, foi adaptado para o cinema em 2018. Dirigido por Christian Petzold, o filme chegou ao Brasil em 2019, sob o título “Em trânsito”. Nessa narrativa multifacetada, Anna Seghers conta a história de um jovem judeu que foge de um campo de concentração em 1937 e vai ao encontro de um homem, mas descobre que ele cometeu suicídio deixando uma maleta com cartas e um manuscrito para ser entregue à sua viúva em Marselha, na França. No caminho, o jovem encontra outros refugiados que aguardam a posse dos documentos que lhes permitiriam viajar em segurança para longe de um continente em conflito.
Numa carta ao crítico marxista Georg Lukács, Anna Seghers escreveu que a verdadeira obra de arte deve trabalhar para que se conheça melhor a realidade. “Só o grande artista pode tornar inteiramente cognoscível um novo fragmento da realidade”, afirmou. Com a ferramenta da ficção, Seghers documentou a insidiosa expansão de um regime totalitário e o estado de medo e paranoia que acomete o povo sujeito a governos dessa espécie retratando os efeitos do totalitarismo na alma de cada indivíduo nessas sociedades.