VIDA SEM FEIRAS LITERÁRIAS NÃO TEM O MENOR SENTIDO

Luciana Villas-Boas e Anna Luiza Cardoso

Conversa com (A)gente Michael Gaeb, fundador da agência literária que leva seu nome e está entre as mais importantes da Alemanha, representada com orgulho no Brasil pela VB&M. Neste momento em que boa parte da indústria do livro internacional está desde a virada do mês mergulhada numa estranha Feira de Frankfurt virtual (a programação oficial do evento, voltada este ano basicamente para o público alemão, foi inaugurada hoje), Gaeb é a pessoa certa para comentar os rumos do mercado pós-pandemia. De maneira espontânea, participantes da rede de editoras e agências literárias que liga intangivelmente dezenas de países e culturas, sem poder bater ponto no Centro de Agentes do pavilhão da feira, está promovendo até quatro reuniões diárias por Zoom, todo mundo funcionando no fuso horário europeu, mas o agente não acredita que esse sistema de trocas possa se reproduzir indefinidamente e explica por que o evento é essencial ao negócio. “Uma vida sem feiras literárias é possível, mas não terá sentido algum”, diz, sintetizando o ethos de toda uma indústria.

À frente de um catálogo de autores dos mais diversos, principalmente nos idiomas alemão e espanhol, mas não só, de ficção e não-ficção, altamente literários e vanguardistas ou focados no entretenimento, mas criteriosamente unidos pela excelência em suas propostas, Michael Gaeb fala sobre as novas tendências literárias pós-pandemia e analisa alguns autores de sua lista já colocados no Brasil, como a argentina Ariana Harwicz, publicada com sucesso pela Instante, e o filósofo Wolfram Eilenberger, lançado pela Todavia. A mexicana Fernanda Melchor, jovem e consagrada como Ariana, sairá em 2021 com TEMPORADA DE FURACÕES, romance violentamente feminista, pela Mundaréu.

VB&M: Este ano participamos de uma estranha edição virtual da Feira de Frankfurt. Falando estritamente de negócios, você acha que os cinco dias em que os profissionais do livro se encontram na Messe, o pavilhão da feira em Frankfurt, podem ser substituídos pelas três ou quatro reuniões diárias pelo Zoom ao longo de um mês e meio?

MG: Definitivamente, não. O Zoom tem muitas vantagens. Estou gostando de poder conversar com as pessoas olhando nos olhos, você pode compartilhar emoções e sentimentos e enfatizar ideias sobre os livros. O fato de que o trabalho realizado de casa esteja sendo mais aceito é positivo para quem tem filhos e precisa de mais flexibilidade de horário. Mas é uma questão de medida. No momento, não temos escolha. Certamente, feiras literárias vão muito além de reuniões, festas e jantares. O todo é maior do que a soma das partes. Uma feira do livro é ponto de encontro essencial à indústria cultural, um lugar de diversidade cultural e de trocas culturais. Este último ponto é especialmente importante: os grandes livros não necessitam da feira para serem vendidos. Vão sozinhos, você pode realizar a venda independentemente. Mas os livros menores, as estreias literárias, obras de interesse filosófico, ensaios políticos… Estes necessitam da plataforma das feiras. Precisam ser discutidos, apresentados. Leva tempo convencer um editor internacional a publicar um livro que talvez não prometa um sucesso comercial à primeira vista.

VB&M: Você e sua agência estão baseados em Berlim. Além dos maiores autores e editores alemães, você também representa algumas das mais interessantes obras hispano-americanas escritas e publicadas atualmente. Como isso aconteceu e como você se identifica e aprecia a ficção produzida no território hispano-americano?

MG: Essa é bem fácil de responder: meu pai é alemão, mas minha mãe é mexicana. A riqueza e a diversidade da história e da literatura latino-americanas sempre estiveram presentes em minha casa. Sempre quis fazer com que a América Latina se tornasse parte da minha vida e estou feliz por ter conseguido.

VB&M: Ariana Harwicz é sua cliente, autora argentina baseada em Paris, publicada com sucesso no Brasil (pela Instante) e em diversos outros territórios. Sua escrita é irreverente e lírica, mas corajosa e quase dolorosa no que tange aos desafios de ser mulher nos dias de hoje. Como você a encontrou e como você explica seu sucesso?

MG: É difícil dizer. A literatura de Ariana é altamente idiossincrática, ela não faz concessões, e cada texto que escreve está longe de ser mainstream, sempre leva o leitor a se empenhar numa aventura ou desafio intelectual. Ela aborda com seriedade os assuntos da mulher, que neste momento estão sendo discutidos no mundo todo, mas ainda assim eu não diria que sua obra é “feminística”. Da mulher, sim, de forma enfática. Seus livros só poderiam ser escritos por uma mulher, e por isso penso que todo homem deveria lê-los.

VB&M: Você observa alguma nítida nova tendência na indústria editorial e no gosto literário internacional devido à pandemia da Covid-19?

MG: Sim. Livros escapistas de ficção e não-ficção, longas narrativas em que o leitor possa mergulhar, e grandes ensaios sobre ideias, obras substanciais: as pessoas não querem mais bobagens, ler livros superficiais.

VB&M: Quais títulos do seu catálogo você considera mais propícios para a leitura na quarentena?

MG: Na ficção, penso que todos os títulos de César Aira representem um ganho para o leitor. Com a vantagem de se ler Aira com muita facilidade, seus livros são curtos. A obra dele é vasta: se você puder ler um livro dele por dia, terá leitura bastante até março de 2021. E, é claro, TEMPO DE MÁGICOS, de Wolfram Eilenberger (Todavia), uma experiência muito enriquecedora. A filosofia pode ter vários sentidos nos dias de hoje: consolo, intensidade, orientação.

VB&M: Você acredita que nos encontraremos no ano que vem no Centro de Agentes da Feira de Frankfurt?

MG: Definitivamente sim. Jamais nos renderemos. Uma vida sem feiras literárias é possível, mas não terá sentido algum.