O romance NIHONJIN, de Oscar Nakasato (Benvirá, 2012), vencedor dos Prêmios Jabuti e Nikkei-Bunkyo, será finalmente publicado no Japão pela editora Suiseisha em 2022. Sonho pessoal do autor, que encara essa tradução como uma ponte entre os japoneses que vivem no Japão e aqueles que há um século se aventuraram além-mar, é também a realização de um sonho da VB&M, para quem o romance deveria ser visto por toda a comunidade literária como canônico – um clássico em todos os aspectos, mas particularmente sobre a família e a experiência da imigração. Nesta Conversa Com (A)Gente, Oscar, que além de escritor é também doutor em Literatura Brasileira e professor universitário, comenta a conquista, suas obras, referências literárias e o próximo projeto. Sobre a trama de NIHNONJIN, afirma: “As profundas diferenças culturais e o abismo no que diz respeito à diferença da língua japonesa para a língua portuguesa retardou muito a inserção do imigrante e seus filhos na sociedade brasileira”. Sobre DOIS (Tordesilhas), seu segundo romance, sentencia: “Eu consigo tranquilamente realizar uma leitura do romance num paralelo com a situação atual, em que, literalmente, irmãos não conversam e o diálogo somente se realiza entre iguais, pois não há espaço para o debate de ideias”. Permeando os dois romances, um fio de afeto une a obra do Oscar: “A família é a metonímia das relações sociais mais abrangentes, é o espaço onde todos, de alguma forma, estão inseridos e interagem. Portanto, ninguém escapa de suas influências.”
VB&M: Para você, subjetivamente, qual o significado de uma publicação de seu premiado NIHONJIN no Japão?
ON: O Japão é a terra dos meus avós, e o tema principal do romance é a imigração japonesa no Brasil, por isso essa publicação tem um significado especial para mim.
VB&M: Para a comunidade de descendentes de japoneses no Brasil, essa tradução do romance também tem importância?
ON: Creio que sim. Algumas pessoas, descendentes de japoneses, já me disseram que querem ler o Nihonjin traduzido. Eu desconheço obras literárias brasileiras com essa temática que tenham sido traduzidas para a língua japonesa, então, se eu não estiver enganado quanto a isso, essa tradução será um marco. Será uma ponte que estreitará as relações dos dois países. Por outro lado, também será uma oportunidade de os japoneses conhecerem um pouco da história de outros japoneses que se aventuram numa sofrida empreitada além-mar há mais de um século.
VB&M: Quanto de sua história e de sua família está presente na trama dramática de NIHONJIN?
ON: O romance traduz para a literatura, de alguma forma, a história dos imigrantes japoneses no Brasil. Os nipo-brasileiros se reconhecem no romance, talvez não diretamente, mas porque seus pais ou avós lhes contaram fatos que se assemelham aos episódios narrados. Assim, a minha história e a de minha família estão fortemente presentes em NIHONJIN. Meus avós, como os personagens do romance, chegaram ao Brasil na segunda década do século XX para trabalhar em lavouras de café, onde foram explorados em regime de semi-escravidão. Como a personagem Sumie, os meus pais se casaram por miai (casamento arranjado). Também há algumas passagens do romance (poucas) que saltaram das minhas memórias para as páginas, como aquela em que o personagem Hideo tem dificuldades para matar um porco. Eu me lembro de que meu pai, cerca de dez anos após a mudança para Maringá, foi matar uma leitoa na véspera de um Natal, e a faca não encontrava o coração do animal, pois ele havia perdido a técnica que usava quando morava no sítio.
VB&M: O Brasil recebeu ao longo do século XX diferentes ondas de imigrantes que foram rapidamente absorvidos e assimilados pela sociedade local – italianos, espanhóis, libaneses, sírios, turcos, judeus da Europa do Leste e do Mediterrâneo. Entre os grupos mais resistentes à notória misturada brasileira, os japoneses se destacam, virando brasileiros somente na segunda ou terceira gerações. Talvez NIHONJIN explique o porquê disso melhor do que qualquer teoria sociológica, mas além de recomendar a leitura de seu romance, o que você pode nos dizer sobre esse tema?
ON: Desde a minha pesquisa para o doutorado, mas, mais particularmente, desde que escrevi NIHONJIN, tenho pensando muito sobre esse tema. Penso nos meus quatro avós, os quais, tendo vivido a maior parte de suas vidas no Brasil (chegaram jovens e faleceram com mais de 80 anos), tinham muitas dificuldades para se comunicar na língua portuguesa. Para eles, o processo de desenraizamento durou a vida inteira, o que é muito triste. Ter saudades da terra natal (“furusato”, palavra com grande carga sentimental para os japoneses) e preservar a cultura é natural, mas se sentir estrangeiro durante mais de 60 décadas é trágico. As profundas diferenças culturais e o abismo no que diz respeito à diferença da língua japonesa para a língua portuguesa retardou muito a inserção do imigrante e seus filhos na sociedade brasileira. Durante a Segunda Guerra Mundial, porque o Japão pertencia ao grupo dos países do Eixo, eles eram apontados na rua e hostilizados de forma diferente do que acontecia com os imigrantes alemães e italianos, pois suas características físicas os denunciavam. Depois, principalmente a partir da década de 1960, passaram a ser vistos como minoria modelo, exemplos de dedicação ao trabalho e ao estudo. Neste século, finalmente, começou um movimento para que os descentes de japoneses sejam reconhecidos como brasileiros, sem estereótipos.
VB&M: Seus dois grandes livros, NIHONJIN e DOIS, situados em contextos completamente distintos, são romances familiares. Por que e como a família exerce atração literária sobre você?
ON: Desculpe, mas eu não consigo pensar em outra resposta que não seja aquela que dei numa entrevista para o jornal Rascunho há três anos. Eu não sou nada original ao falar sobre a família, que é o tema mais recorrente na história da literatura. Eu penso nos romances russos, em Machado de Assis, José de Alencar, Clarice Lispector, Milton Hatoum e em tantos outros livros e escritores. A família é a metonímia das relações sociais mais abrangentes, é o espaço onde todos, de alguma forma, estão inseridos e interagem. Portanto, ninguém escapa de suas influências. Eu, particularmente, tenho uma relação profunda com a minha família, seja como pai, esposo, filho, irmão, tio, sobrinho ou primo. Sou dependente deles. Depois de vinte e seis anos casado, às vezes ainda me pego me referindo à casa de minha mãe como “minha casa”.
VB&M: A impossibilidade de comunicação entre os irmãos protagonistas de DOIS, tendo como pano de fundo a história do Brasil na segunda metade do século XX, é uma metáfora da polarização política ultra radicalizada dos dias de hoje?
ON: Quando escrevi DOIS, havia, sim, uma divisão política, como havia no período da ditadura militar, cujos conflitos eu recupero de alguma forma no romance, mas a polarização não tinha a dimensão que tem hoje. De qualquer forma, eu consigo tranquilamente realizar uma leitura do romance num paralelo com a situação atual, em que, literalmente, irmãos não conversam e o diálogo somente se realiza entre iguais, pois não há espaço para o debate de ideias.
VB&M: De que maneira sua formação e sua atuação na universidade, como doutor em Literatura Brasileira, dialoga com sua produção literária?
ON: Eu não seria o escritor que sou se não fosse a minha vivência acadêmica. Na universidade, primeiro como aluno, depois como professor e pesquisador, entrei em contato com diversos escritores, principalmente aqueles com sensibilidade para o adensamento psicológico, e teorias literárias, algumas das quais experimento em minhas narrativas, como o discurso indireto livre. No que diz respeito ao meu doutorado, a relação é bastante direta com NIHONJIN, pois pesquisei na minha tese personagens nipo-brasileiros na ficção, e a ideia de escrever o romance surgiu exatamente em função de minha frustração com o número ínfimo desses personagens.
VB&M: A literatura japonesa também foi importante para sua formação? Cite, por favor, três livros japoneses já traduzidos no Brasil cuja leitura você recomenda como ênfase especial.
ON: Considerando que estou constantemente em formação, a literatura japonesa tem, sim, bastante importância, mas ela não fez parte da minha formação inicial. Há aproximadamente dez anos, tenho lido muitos japoneses, de Natsume Soseki a Haruki Murakami, passando por Ryunosuke Akutagawa, Junichiro Tanizaki, Yasunari Kawabata, Kenzaburo Oe e Shuzaku Endo. Também li O livro do travesseiro, da lendária Sei Shônagon, mas estou devendo a leitura de alguma escritora japonesa contemporânea. Três livros que recomendo: O portal, de Natsume Soseki; A casa das belas adormecidas, de Yasunari Kawabata; e Silêncio, de Shusaku Endo.
VB&M: O que você está escrevendo agora? Pode compartilhar conosco?
ON: Estou escrevendo um romance que, provavelmente, se intitulará Ojiichan, que significa avô em japonês. Nessa obra, a aposentadoria e a doença de Alzheimer da esposa farão um homem septuagenário viver situações imprevistas. Ao mesmo tempo, o romance quebrará alguns padrões relacionados à ancianidade e, mais especificamente, aos idosos nipo-brasileiros.