AS HISTÓRIAS QUE OUVIMOS

André Palme, country manager da Storytel no Brasil, Conversa Com (A)Gente sobre o atual bom momento do áudio livro no país, as especificidades do público ouvinte brasileiro, os desafios impostos pela pandemia e as perspectivas para os próximos anos. Otimista, ele vê muito espaço para o crescimento e a disseminação dessa forma de se contar/ouvir histórias. Afinal, “o áudio como formato de disseminação de informação e cultura surgiu antes de qualquer outro, inclusive o livro”. A novidade é que agora está na palma de nossas mãos.

VB&M: A Storytel já tem estrada no Brasil e alguns balanços podem ser feitos. Foram identificadas características específicas do público brasileiro? É possível estabelecer algum paralelo ou comparação com outros mercados de áudio?

AP: Na Storytel, historicamente e nos 20 países em que atuamos, há um grande consumo de conteúdos de ficção, bem focados em crime e thrillers. Já no caso do Brasil, desde que lançamos o app localmente, em setembro de 2019, o maior consumo tem sido em conteúdos de não ficção, principalmente negócios e biografias. Durante a primeira parte da quarentena, entre abril e junho, houve um aumento significativo no consumo de conteúdos sobre espiritualidade e, pela primeira vez, conteúdos de ficção, principalmente de fantasia, ficaram entre os mais consumidos no Brasil.

No geral, o ouvinte brasileiro de áudio livros e conteúdos em áudio tende a ser mais jovem, entre 25 e 35 anos, e não necessariamente é um consumidor de livros. Claro que os leitores acabam sendo um público natural, por terem autores preferidos, livros dos quais já gostam, mas grande parte são pessoas que já consomem conteúdos de maneira digital (vídeo, séries, música, etc.) e que veem na Storytel e no áudio uma terceira opção de consumo de entretenimento e informação que fica entre o vídeo e a música.

VB&M: Quais as diferenças entre o público do áudio livro para o leitor em geral? Que gêneros funcionam melhor para o áudio?

AP: O público do áudio livro (ou mesmo do áudio em geral) costuma ser mais jovem, muito conectado, já tem no celular uma fonte natural e constante de consumo de conteúdo. Quando falamos de gêneros, neste um ano de Storytel no Brasil percebemos um perfil um pouco diferente do perfil tradicionalmente mapeado de leitores em geral, que historicamente tem um percentual maior de mulheres. No nosso caso, vemos um equilíbrio quase que igualitário de consumo no app.

Como eu disse, a não ficção tem sido o gênero mais procurado no app desde o lançamento, mas também temos um público muito fiel de ficção que consome títulos de autores nacionais, como Edney Silvestre, e internacionais como Agatha Christie.

Temos também um consumo bastante expressivo das nossas séries originais, que são histórias criadas originalmente para o áudio e sempre divididas em temporadas de 10 episódios, com duração de cerca de uma hora cada. No caso do Brasil, lançamos até agora duas séries originais, ambas de não ficção: a biografia de Elke Maravilha e uma outra que retrata os últimos dias da vida de Frida Kahlo.

VB&M: Desde o início, a Storytel se define como uma plataforma de áudio e não como uma editora de áudio livros. Esse posicionamento explica o crescimento vertiginoso de vocês neste ano de 2020?

AP: Desde o início do planejamento da entrada da Storytel no Brasil, sempre quisemos nos posicionar como uma plataforma de entretenimento em áudio, introduzindo esse formato como uma opção de entretenimento e informação para todo mundo que já consome conteúdos via celular, sejam ele vídeos, músicas, podcasts ou mesmo livros.

Sabemos também, por experiência própria (80% da equipe da Storytel no Brasil veio do mercado editorial), que o livro perdeu força como opção de entretenimento e informação na hora em que as pessoas escolhem como usar o seu tempo livre no consumo de conteúdos. Por isso viemos com essa abordagem de apresentar o conteúdo literário da mesma maneira que se apresentam os outros formatos de entretenimento, com o vídeo por exemplo.

Por sermos um app, que você acessa do seu celular, pagando uma assinatura mensal e consumindo o quanto quiser, a qualquer hora e em qualquer lugar, automaticamente nos aproximamos de hábitos que as pessoas já têm com outras plataformas como o Spotify e a Netflix, por exemplo. A ideia é justamente que o audiobook e os conteúdos em áudio se tornem uma opção adicional de consumo de histórias, e isso tem funcionado na hora de convencer as pessoas a experimentar e ouvir uma história assim pela primeira vez.

VB&M: Quais foram as estratégias adotadas para atravessar a pandemia e quais foram os maiores aprendizados? Houve alguma surpresa?

AP: Uma das principais estratégias foi ficarmos ainda mais próximos dos nossos usuários nos pontos de contato que temos com eles, através das redes sociais, do próprio app e do suporte, para que pudéssemos continuar representando um momento bom na vida dos nossos assinantes, e não mais uma questão ou uma chateação, num período em que coisas ruins não faltaram.

Também pensamos muito no tipo de conteúdo que poderíamos entregar, para que a experiência de entrar no app, colocar o fone e apertar o play fosse um momento bom, de relaxamento, de escape do que estava à nossa volta. Isso fez com que, por exemplo, não produzíssemos conteúdos sobre a quarentena e a COVID-19 focados na doença ou em análises sobre o vírus; ao contrário, idealizamos uma série de histórias curtas e originais, escritas para o áudio, chamada Vai ficar tudo bem, que poderiam ter a pandemia como pano de fundo, mas que trouxessem esperança, alento, amor e carinho. Também adiamos alguns lançamentos com temas sensíveis e que envolviam morte, tragédias, dor… Entendemos que era o momento de trazer histórias positivas para um mundo cheio de más notícias. E foi legal, pois nossos parceiros embarcaram conosco: autores, editoras, agentes, narradores…

VB&M: A Storytel foi a primeira editora a publicar teatro em áudio, estreando com as peças de Edney Silvestre. Como é a recepção do público a esse tipo de conteúdo?

AP: As peças que publicamos do Edney são, para mim, verdadeiras obras de arte – com toda a modéstia que me falta ao dizer isso – e me enchem de orgulho por terem sido produzidas e publicadas pela Storytel. O texto, a produção, os atores e narradores envolvidos, tudo foi primoroso. Para uma das peças, chegamos a fazer uma planta baixa do apartamento onde as cenas se passaram para que o ouvinte tivesse uma sensação muito clara da movimentação dos personagens e das vozes em cena! Não há quem ouça e não elogie. A recepção é sempre a melhor possível e eu sempre indico as peças como uma primeira experiência para quem nunca ouviu um áudio livro. Primeiro pela beleza da produção e do texto, segundo porque tem uma assimilação fácil, por ser bem próximo a uma novela e, claro, a uma peça de teatro ao vivo.

VB&M: Quais as perspectivas para o mercado de áudio livro nos próximos anos?

AP: As melhores possíveis. O mercado no Brasil ainda tem muito espaço para crescimento e a entrada no país de players internacionais como a Storytel confirma o quanto acreditamos nesse mercado.

As pessoas ainda estão tomando contato com o áudio como um formato de entretenimento e informação da forma como é apresentada hoje – no celular, via streaming –, porque essa é a única novidade. O áudio como formato de disseminação de informação e cultura surgiu antes de qualquer outro, inclusive o livro. Então é uma volta, um retorno para as rodas em volta da fogueira e as histórias contadas…só que agora na palma da sua mão, para ser ouvido em qualquer lugar.

Vejo o áudio como um formato que vai se inserir, cada vez mais, de forma natural na vida das pessoas, muito porque é algo que você pode aproveitar enquanto faz outras coisas. O áudio é o tipo de conteúdo para ser consumido quando se está com a cabeça livre e o corpo ocupado…por isso ele é tão fácil de ser inserido na rotina.

Vejo o áudio como um grande aliado de todo mundo que cria histórias ou trabalha com elas de algum modo, pois se trata de um grande disseminador e catalizador de narrativas.