É gratificante trazer para uma Conversa com (A)Gente não só um rosto novo, mas alguém que represente um universo profissional bastante desconhecido do leitor brasileiro que não esteja muito enfronhado no mercado editorial. E mesmo de muita gente do mercado. A australiana-francesa-inglesa e quase brasileira por mérito e simpatia, Lilly Maguire, é scout de cinema em Londres trabalhando com Tobi Coventry na Dialogue Scouting, que atende a seis clientes britânicos.
O scout, profissional quase inexistente no Brasil (o que sinaliza a pouca maturidade do nosso mercado), é um tipo de repórter com clientes específicos que apura tudo o que esteja sendo contratado pelas editoras ou já em processo de publicação. Grande número, desde os EUA e Grã-Bretanha, atende a editores internacionais no mercado de tradução, outros se especializam como scouts para produtores cinematográficos visando a obras com potencial de adaptação audiovisual. É o caso da Lilly, que tem o diferencial de cobrir não só a produção literária britânica, mas também francesa, portuguesa e brasileira.
Nesta entrevista, feita por email inteirinha em português e que dispensou nosso cópi (em nome do charme, deixamos até as dúvidas de Lilly sobre os termos do business no Brasil), a scout conta sua carreira e explica seu trabalho, discute tendências e o impasse do cinema diante da Covid-19. Personalidade de alegria e leveza contagiantes, grande dançarina, Lilly, que começou sua relação com o Brasil há cinco anos quando viu a saída de um baile de forró em Londres, morou quatro meses e um carnaval no Rio e está só esperando a pandemia acabar para voltar. Pelo amor ao país, ela agora soma à intensa atividade de scout a de tradutora do português para o inglês.
VB&M: Você atua como scout para o mercado audiovisual na Grã Bretanha e na França. Como conquistou esse trabalho e essa posição? Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional.
LM: Eu fiz formação em Literatura na faculdade em Londres, depois minha tese de mestrado foi sobre alguns filmes dos anos 90 inspirados por livros dos anos 60. Saindo da faculdade, comecei a trabalhar com uma roteirista, que me apresentou a alguns produtores. Eles me ofereceram trabalhos de ler livros, escrever resumos e dar minha opinião sobre o potencial de adaptação das obras. Foi em 2016, eu já bastante envolvida com isso, que uma amiga que atuava numa agência literária apresentou-me a Tobi Coventry (com quem aindo trabalho). Pouco antes ele havia criado a Dialogue Scouting, primeira empresa de scouting para o mercado audiovisual na Grã Bretanha, com Sharmaine Lovegrove (que agora é editora). Pareceu o lugar perfeito para mim, entre o mundo da literatura e do audiovisual.
VB&M: O que exatamente faz um scout para o mercado audiovisual? Como é sua rotina de trabalho?
LM: O trabalho de um scout no mercado audiovisual é ter contatos em várias agências literárias e casas de edição e, assim, estar a par de todos os livros que vão sair com potencial de adaptação, o mais cedo possível antes que sejam publicados. Precisa ainda conh
VB&M: Como identificar o potencial de uma obra literária para adaptação audiovisual?
LM: Depende muito para quem e para quê você está fazendo sua busca e do tipo de livro que está lendo. No mundo da TV, muitos produtores se interessam mais por livros que tenham bastante trama para sustentar uma série. No mundo do cinema, pode ser mais um personagem único e interessante o fator maior de atração. O perigoso, acho, é pensar demais nas tendências do momento no mundo audiovisual porque – desde a oferta pelos direitos até o lançamento do filme ou da série – vai demorar provavelmente de dois a cinco anos, e muita coisa pode mudar! Melhor buscar algo de diferente, fora do comum, que chame a atenção, mas também com potencial comercial.
VB&M: Você tem uma relação profunda com o Brasil e com a língua portuguesa e, recentemente, passou a traduzir do português para o inglês. Como isso começou e como tem corrido essa experiência de tradução?
LM: Minha relação com o Brasil começou ao mesmo tempo que minha carreira de scout. Começou pela dança, primeiro o forró e logo outras danças brasileiras. Me apaixonei pela música e pela cultura, e isso me deu muita vontade de aprender esse idioma que acho o mais lindo do mundo! Nasci na Austrália, cresci na França, morei muito tempo na Inglaterra, sempre fui interessada nas trocas e encontros de culturas e idiomas diferentes. Queria um trabalho que me desse a oportunidade de fazer parte dessas trocas e de usar meus três idiomas, ai pensei na tradução. A editora da revista Another Gaze estava procurando alguém para fazer a tradução de uma mesa redonda sobre o ‘Cinema Negro Brasileiro’ – consegui o trabalho e amei! Tudo no mundo do scouting anda muito rápido, você acaba com um livro em um dia e logo tem que passar para o próximo. Então a tradução, que obriga você a tomar cuidado para ler e entender bem cada frase e palavra, também é um contraste lindo.
VB&M: Você notou alguma tendência no mercado nesta temporada da feira de Frankfurt virtual?
LM: Na verdade, era uma Frankfurt muito diferente das outras, e não vi tantas tendências específicas como nos anos anteriores. Pessoalmente, li muita ficção de vários gêneros – thriller, drama, terror, ficção científica -, e todos tinham personagem femininas queer, explorando temas feministas ou a sexualidade da mulher. Mas eu não chamaria isso de uma tendência porque tem muito a ver com meu gosto, o que seleciono para ler, e com o que me mandam porque sabem que é o meu gosto! Também faz parte de uma mudança cultural na indústria que valoriza mais vozes diversas, algo que já estava acontecendo faz um tempinho, mas que continua a crescer e melhorar e que tem que continuar crescendo. Nunca chamaria isso de tendência ou moda.
VB&M: A pandemia afetou profundamente a indústria cinematográfica. Quais panoramas você vislumbra para o audiovisual pós-pandemia? O cinema sobreviverá?
LM: Difícil vislumbrar o futuro de qualquer coisa neste momento! Agora mesmo, produções mais íntimas com menos personagens e localizações são mais práticos, também os filmes de animação. Pós-pandemia, quem sabe, talvez histórias mais alegres que distopias? Eu penso que o cinema sobreviverá, mas é possível que a distribuição de filmes mude. Já estava mudando, e agora tem vários filmes que iam sair no cinema mas foram diretamente para os streamers como Amazon ou Netflix. Pode ser que este modelo continue pós-pandemia, mas eu acho (e espero) que ainda vai ter a experiência de ir para o cinema também.