CRIMINALIZAÇÃO DA VERDADE NO CASO ASSANGE

Anna Luiza Cardoso

O Relator Especial da ONU para casos de tortura, Nils Melzer, vai lançar em março de 2021, pela alemã Piper Verlag, um livro que defende a inocência do fundador do WikiLeaks, jornalista australiano Julian Assange, atualmente prisioneiro da polícia londrina, depois de anos fugitivo dos EUA, como decorrência dos vazamentos de segredos de Estado feitos por seu site. Com 20 anos de experiência profissional em contextos de guerra e violência, o autor relatará a investigação que conduziu sobre o caso Assange, revelando detalhes explosivos e denunciando um assustador processo de criminalização da verdade por grandes potências internacionais.

Em O CASO DE JULIAN ASSANGE: UMA HISTÓRIA DE PERSEGUIÇÃO, com direitos de tradução já vendidos para a Polônia, o autor esmiúça as diversas narrativas criadas em torno da figura do fundador do WikiLeaks _ estuprador, hacker, espião, narcisista, vítima de tortura e perseguição política _, para trazer à tona o que considera o ponto central dessa história: a ameaça à liberdade de imprensa e da mídia ao redor do mundo. Em sua visão, o caso de Assange inaugura um perigoso precedente, que é o de incriminar a publicação da verdade, abrindo caminho para tiranias e ditaduras por todos os lados.

Nils Melzer assumiu as investigações da ONU sobre o caso em março de 2019, quase nove anos depois da publicação de Afghan War Diary (“O diário da guerra no Afeganistão) pelo Wikileaks, em julho de 2010. O que ele encontrou foram graves e sistemáticas violações processuais, decisões judiciais tendenciosas, evidências manipuladas, difamação e ameaças, além de tortura psicológica prolongada, uma absurda sequência de malfeitos em nome de uma narrativa deturpada por interesses políticos. Julian Assange revelou casos graves de tortura por parte do governo norte-americano e desde então tem sido perseguido e torturado por uma aliança desse mesmo governo, numa clara inversão de valores e narrativas. Ao invés de se processar os responsáveis pelas torturas denunciadas, processa-se e tortura-se o delator.

A análise detalhada do processo e de todas as arbitrariedades envolvidas alterna-se com uma profunda reflexão sobre os perigos da manipulação de fatos e informações por parte dos governos. Na visão do autor, trata-se de um caso de importância simbólica que tem relação direta com todo cidadão habitante de país democrático, pois o poder arbitrário construído sobre mentiras e narrativas obscuras pode transformar territórios pacíficos em verdadeiros infernos, o que normalmente se dá de maneira bastante célere. Para isso, basta a crucial combinação de sigilo, impunidade e indiferença pública.

Qualquer semelhança entre a visão de Nils Melzer e a atual situação do Brasil com seu projeto de lei sobre fake news não é mera coincidência. O CASO DE JULIAN ASSANGE não nos deixa desatentar ao fato. No que depender de nós, faremos o possível para garantir a publicação desse livro no Brasil, mas ainda deve demorar. Por enquanto, fica a sugestão de leitura de excelente entrevista (em inglês) dada pelo autor à revista suíça Republik, em que aborda todo o escopo do caso e da obra.