SOBRE GABO E OUTRAS FADAS

Autora de SOLIDÃO E COMPANHIA, publicado na Colômbia em 2014, nos EUA pela Seven Stories Press em 2019 e, no Brasil, em abril pelo selo Crítica da Planeta, a jornalista colombiana Silvana Paternostro Conversa Com (A) Gente sobre sua condição de compatriota, aluna e biógrafa de Gabriel García Márquez e sobre a experiência de escrever essa diferente e magistral biografia do autor. Nascida em Barranquilla, da mesma região colombiana do autor, Silvana conta como transformou as fitas gravadas de entrevistas com amigos e conhecidos de Gabo, guardadas por anos numa caixa de sapato, no mais original relato da vida do escritor que transformou a literatura latino-americana — uma história oral contada sob a perspectiva das várias pessoas que conviveram com García Márquez antes e depois de sua consagração. “Na Colômbia, Gabo é sempre visto não como uma pessoa, mas como um Deus. Esse foi o melhor jeito de tirá-lo do pedestal e torná-lo novamente uma pessoa, tão mais interessante. E, para mim, essa foi a melhor maneira de mostrar meu respeito pelo autor de ‘Cem Anos de Solidão’, uma obra-prima.” Sobre seu próximo livro, Silvana faz mistério para não “afugentar as fadas da escrita”.

VB&M: Quando e por que você decidiu escrever a biografia de Gabriel García Márquez, SOLIDÃO E COMPANHIA?

SP: Assim como muitos livros, esse começou como um artigo para uma revista. Eu tinha a maior parte do material para o livro, fitas de entrevistas guardadas por anos numa caixa de sapato. Tudo ficou claro quando eu vi o Gabo na inauguração de um museu na Cidade do México. O presidente estava lá, mas todos estavam mais interessados no escritor. Vi centenas de pessoas correrem para García Márquez como se ele fosse John Lennon. Entendi que ele não era apenas um grande escritor, mas também um farol de luz e esperança para nossa região. Ele é adorado como John Lennon é adorado. Também vi sua fragilidade, ele já estava doente, e soube que eu tinha essas vozes que falavam sobre sua vida com sinceridade e irreverência, e, mais importante, com admiração e até amor.

VB&M: Como você chegou ao formato tão original e único dessa biografia, a vida de Gabo contada pelas perspectivas das tantas pessoas e amigos que passaram por sua vida? Por que você escolheu contar a história dessa forma?

SP: Eu sempre amei história oral, um gênero que descobri em Nova York, onde vivo desde 1986. Pensei que era a forma perfeita de contar a história de Gabo que eu queria escrever, porque não é hierárquica. Nenhuma voz é mais importante que a outra. Isso permite que todos os lados tenham uma chance de falar. Na Colômbia, Gabo é sempre visto não como uma pessoa, mas como um Deus. Esse foi o melhor jeito de tirá-lo do pedestal e torná-lo novamente uma pessoa, tão mais interessante. E, para mim, essa foi a melhor maneira de mostrar meu respeito pelo autor de “Cem anos de solidão”, uma obra-prima. Além disso, ele veio da mesma região da Colômbia onde eu cresci.

VB&M: É verdade que você estudou com Gabo? Como foi a experiência de tê-lo como professor? Você o tinha como uma espécie de mentor?

SP: Sim, é verdade. Passei três dias como sua aluna em um workshop sobre jornalismo — ele foi jornalista antes de se tornar romancista. Éramos 12 jovens (na época) jornalistas da América Latina e ficamos sentados em silêncio, ouvindo-o contar história após história sobre seus dias como jornalista.

Ele nunca foi um mentor no sentido tradicional. Eu apenas o vi durante aqueles três dias. Escrevi sobre isso para The Paris Review. Você pode encontrar o artigo na internet, eu acho. Chama-se Três Dias com Gabo.

Eu era jovem, mas já era uma jornalista publicada, trabalhando em um livro sobre o machismo na América Latina durante a crise da AIDS nos anos 1990, que aliás inclui bastante pesquisa do Brasil. Eu sempre fui fascinada pela força da sociedade civil brasileira naqueles anos. O livro está disponível em português: “Na Terra de Deus e dos Homens” (Objetiva). Durante aqueles três dias, García Márquez, o escritor Prêmio Nobel universalmente aclamado em pedestal global, tornou-se mais um objeto de admiração e curiosidade do que um professor. Sim, houve algumas dicas que ainda me ajudam com minha escrita.

Eu certamente aprendi muito mais com ele quando fiz as entrevistas para SOLIDÃO E COMPANHIA. Foi quando comecei a entender sua trajetória de vida e como ele se tornou o autor do livro que mudou a literatura latino-americana. Há tantas lições na vida de Gabo como escritor: um menino das províncias remotas da Colômbia que tornou-se um dos melhores autores no mundo. Qualquer um que queira viver uma vida plena e feliz pode aprender algo ao ler SOLIDÃO E COMPANHIA.

VB&M: Qual é o seu livro favorito de Gabriel García Márquez e por quê?

SP: Eu não tenho um favorito. Gosto de pegar um de seus livros — mais ficção do que não-ficção — da minha estante e depois não consigo parar de ler, pois suas frases ainda me hipnotizam.

Minha médica em Nova York é das Filipinas e ela me contou que lê “Cem anos de solidão” anualmente, e a cada ano ela mal pode esperar para relê-lo outra vez. Então eu aceito isso como recomendação médica.

VB&M: A biografia é o tipo de narrativa que você mais gosta de ler? Quais são as suas favoritas? Algumas delas já influenciaram sua escrita?

SP: Não mesmo. Escrevi SOLIDÃO E COMPANHIA porque queria contar a vida de Gabriel García Márquez como história oral, que na verdade é como uma biografia sem as partes chatas, como disse uma das críticas da edição inglesa. Eu escrevo memórias e reportagem e leio ficção, majoritariamente.

VB&M: Como o fato de morar em outro país a afetou na juventude e na forma como você vê e escreve sobre a Colômbia?

SP: Para começar, eu escrevo em inglês. E tudo sobre a Colômbia é visto sob o prisma das memórias que tenho de quando morei lá. Deixei o país aos 15 anos. Sempre relembro e escrevo sobre a Colômbia. É como se fosse parte da minha família. Me preocupo com ela todos os dias.

VB&M: Você está escrevendo um novo livro?

SP: Estou. Passei a pandemia em Londres sob lockdown e fiz toda a pesquisa para o livro. Tenho tudo na minha cabeça, ou o suficiente para começar, mas ainda não foi possível. No momento em que a cidade começou a abrir, algo aconteceu e a escrita deslanchou. Mas isso é tudo o que vou dizer. Não quero afugentar as fadas da escrita.